quinta-feira, 12 de junho de 2008

Raul Brandão e Columbano


Pintura de Columbano Bordalo Pinheiro, A Chávena de Chá (1898, Museu do Chiado, Lisboa).
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A relação de amizade entre Columbano e Raul Brandão é bastante documentada, tendo iniciado por volta de 1895, quando o escritor, através da Revista d' Hoje, organizou uma exposição da obra do artista no Porto. Por volta de 1898, Brandão escreveu um artigo sobre uma visita ao atelier, na altura em que o pintor lhe fez um retrato. Segundo as suas palavras, «a pintura de Columbano, como certos poentes, como saudades, torna-nos contemplativos: é a sensação de uma beleza grave, harmónica. Os seus quadros têm a cor das velhas catedrais, o tom do granito envelhecido ao Sol...». A arte absorvia-o «como a Balzac, que falava das personagens da comédia humana como de pessoas reais, misturadas na sua própria vida».
Em 1903, publicou A Farsa, em cujo o texto se encontravam várias referências à pintura, lembrando a obra de Columbano: «A luz bate-lhes de chapa, ilumina-os como retratos: certos pedaços de fisionomia ressaltam, avançam, outros recuam na sombra». A certa altura afirma: «A Sombra é um grande pintor». O Húmus de Raul Brandão, datado de 1917, era dedicado «Ao Mestre Columbano». Algumas das frases desta obra, dominada por uma tonalidade simultaneamente trágica e silenciosa - «Os maiores dramas passam-se porém no silêncio» -, remetem para a pintura: «A vida é nada – é esta cor, esta tinta, esta desgraça. É saudade e ternura».
As Memórias de Raul Brandão, compostas por três volumes escritos entre 1918 e 1930, encerravam com a publicação do Vale de Josafat. Um dos capítulos era inteiramente dedicado a Columbano, associando memórias antigas e recentes, retratando o pintor até à morte. Segundo o escritor, Columbano só vivia praticamente no velho casarão das Belas-Artes, do qual apenas saía para ir a sua casa. Brandão dizia não saber descrever o pintor, porque ele estava fora do mundo e do seu tempo – «fora da realidade». Não tinha sentimento da natureza e as «figuras dos seus retratos» eram ao mesmo tempo dolorosas e escuras». Nelas havia um silêncio de morte, o pintor arrancava-as ao «sonho interior, que tem sido o de toda a sua vida».
Raul Brandão e Columbano retrataram-se mutuamente, um pela escrita e o outro pela pintura, existindo uma forte ligação entre eles. Manuel Mendes dizia que os feitios eram diferentes, um mais expansivo que o outro, mas ambos eram «apaixonados por um mundo a um tempo sombrio e luminoso, cinzento e enternecido». Considerando que ambos compunham com tons sombrios e ironia dramática, a diferença era que só para Brandão havia dias de sol. Contudo, tanto um como o outro possuíam a mesma voz soturna. José-Augusto França também testemunharia essa ligação entre a obra do artista e a do escritor, dizendo que «ao Raul Brandão da visão dolorosa da vida nacional» se ficou a «dever as mais agudas páginas sobre» o pintor. De acordo com este historiador, a obra de Columbano poderia comparar-se à Farsa de Brandão, «crónica do dia-a-dia entre o simbolismo literário e o populismo raivoso».
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Texto de Margarida Elias.

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