quinta-feira, 30 de abril de 2009

Christ Preaching At The Seaport

Pintura de Jan Bruegel, Christ Preaching At The Seaport (Colecção Privada).
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Jan Bruegel (1568-1625) sempre foi um dos meus pintores preferidos. Aliás, gosto muito de pintura flamenga e holandesa - sendo Bruegel um artista flamengo. Admiro as suas pinturas com miríades de pequenas figuras, onde muitas vezes o assunto principal surge tão escondido que só o identificamos pelo título. Neste caso, Jesus é uma minúscula personagem vestida de branco e com auréola, situado num dos barcos. A posição do espectador é a de alguém que está a assistir de longe, no cimo de um monte - podemos até confundir-nos com o homem de costas que desce a montanha em direcção a Jesus. Este tipo de construção das composições, permitiu ao pintor transformar as pinturas de história em pinturas de paisagem, tratando-se aqui de uma paisagem imaginada. Outro aspecto relevante é a utilização de uma perspectiva aérea e cromática - a profundidade é dada pelo colorido, nomeadamente pelo tom azulado das montanhas. Por fim, note-se, que as figuras vestem à época do pintor, o que torna o acontecimento bíblico contemporâneo das pessoas que primeiro poderem observar o quadro.
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Margarida Elias.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Nomes de Pessoas na Toponímia Lisboeta

Gravura de Espinho (1945).
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«Era antigamente o povo quem dava os nomes às ruas das povoações, e em Lisboa estavam sempre essas denominações ou relacionadas com os nomes, alcunhas ou profissões das pessoas ou entidades que nessas ruas moravam ou tinham propriedade, ou subordinadas a qualquer particularidade inerente ao local, ou a algum edifício profano ou religioso que nelas existia, ou nas vizinhanças».
(...)
«Só muito excepcionalmente eram atribuídos nomes às ruas para consagração de pessoas. (...)».
«Foi a primeira a Rua Nova de El-Rei, em honra de D. Afonso V, em cujo reinado ela foi aberta, cêrca do ano de 1466, sôbre a vala ou rêgo das imundícies, que, atravessando diagonalmente o vale da Baixa, ia lançar no Tejo os esgotos que vinham desde Andaluz e Arroios. Esta cobertura do rêgo representou um considerával melhoramento para a cidade, mas a denominação pouco tempo durou, até cerca de 1586, pois que foi substituída pela Rua dos Ourives do Ouro, artífices que nela se foram instalar».
«Foi a outra a Rua Nova do Almada, que o povo assim cognominou em reconhecimento ao presidente da Câmara Rui Fernandes de Almada, que em 1665 teve a iniciativa de a mandar abrir, demolindo prédios, e melhorando enormemente a circulação citadina no local».
(...)
«Logo no princípio do século XIX foram os nomes das artérias da cidade consignados ou fixados oficialmente na Regulação para o estabelecimento da pequena posta, caxas e portadores de cartas em Lisboa, a 7 de Maio de 1800».
«A atribuição de dar nomes às ruas deixou de ser privilégio do povo, e passou de facto para o Poder Central (...)».
(...)
«A atribuição de baptizar as vias públicas de Lisboa passou para a Câmara Municipal, pelo Código administrativo de 6 de Maio de 1878 (...). A Câmara, imitando o que se fazia no estrangeiro, começou, no último quartel do século XIX, logo em 1878 a dar às ruas os nomes próprios (...) de pessoas notáveis (...)».
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A. Vieira da Silva.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Um quadro inverosímil de Turner

Pintura de Joseph Mallord William Turner, The Lake, Petworth, Sunset (c. 1828, Tate Gallery, Londres).
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«(...) O poente avermelha as areias e acende na água um rastro de estrelas. (...) Como num quadro inverosímil de Turner as névoas esgarçadas embebem-se em reflexos vermelhos - cores delicadas de nácar, interiores de conchas, tons róseos bebidos pelas gotas de humidade. (...) Sinto que a tinta que envolve a paisagem morre a muito custo e que toda esta humidade se quer fartar de luz, transformando-se como numa mágica em explosões e cores desgrenhadas pelos ares e em cenários irreais na terra cheia de mistério, até que um único risco de oiro ao cimo da água, oscila, serpenteia e acaba por desaparecer num último arabesco...»
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Raul Brandão.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

As Bodas de Caná


Pintura de Paolo Caliari, dito Veronese, Les Noces de Cana (1562-1563, Museu do Louvre, Paris).
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«Appelé à Venise en 1553, Véronèse ne cessera d'exercer son talent de décorateur, apte à brosser d'immenses toiles où s'allient l'autorité scénographique, la somptuosité des costumes modernes et l'éclatante luminosité du coloris. Les Noces de Cana ornaient le réfectoire construit par Palladio pour les Bénédictins de l'île de San Giorgio Maggiore. L'épisode sacré est transposé, avec une liberté iconographique souveraine, dans le cadre fastueux d'une noce vénitienne».
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Aline François (Louvre).

A Primitiva casa de Joaquim Pires Mendes

Palacete no Campo Grande, n.º 101-103, Lisboa (fotografia de Margarida Elias, 2009).
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Aindei bastante para encontrar algo sobre este palacete, que é um dos meus preferidos da cidade de Lisboa.
Descobri na internet que foi o palacete de Joaquim Pires Mendes, sendo da autoria do Arquitecto José da Purificação Coelho e edificado em 1911.
Segundo o Lifecooler é um «edifício de planta rectangular coberta por telhado de 2 águas, onde se misturam elementos clássicos, barrocos, românticos e Arte Nova. Na fachada principal encontram-se registos de azulejos em que o motivo principal são as alegorias». Foi classificado como Imóvel de Interesse Público pelo Dec. nº 2/96, DR 56 de 6 Março 1996.
De acordo com o IPPAR:
«A primitiva casa de Joaquim Pires Mendes sofreu grandes obras de reedificação no início do século XX, segundo o risco do arquitecto José Coelho. Destas obras destacamos a reconstrução total dos espaços interiores com aplicação de cantarias, alvenaria rebocada e pintada e friso de azulejos (com motivos alegóricos: puttis, cisnes e flores) nos panos murários exteriores. A construção, de planta longitudinal e volumetria paralelipipédica, desenvolve-se em três registos - cave e dois andares. A fachada principal composta por um corpo central, é ladeada por dois corpos divididos em três partes por pilastras de cantaria com decoração vegetalista, encimadas por cornija e coroadas por jarrões. Da profusão de decoração arquitectónica salientamos a porta principal realizada em madeira almofadada, ladeada por duas janelas de fresta com vãos em ferro e com um arco abatido de cantaria talhado com folhas entrelaçadas, a partir do qual arrancam mísulas decoradas onde assenta a varanda do segundo piso. Este edifício traduz um gosto eclético aplicado à arquitectura civil residencial».
Concluindo, para meu espanto, que afinal não estou sozinha na minha admiração por este edifício, deixo aqui citado o texto de outro blogue:
«Em 1911 / 1913 foi reconstruído, segundo projecto do arquitecto José Coelho, do palacete unifamiliar ao Campo Grande, antiga casa de quinta, (completa reconstrução do interior, mantendo-se o perímetro murário externo, embora com aposição de cantarias e elementos decorativos, aproveitando-se o anexo destinado a celeiro e a adega).
Em 1937 deu-se a expropriação parcial da quinta para áreas afectas à futura Cidade.
Em 1990, uma parte do terreno foi vendida ao Colégio Moderno.
Trata-se de um edifício elegante e luxuoso onde se misturam elementos clássicos, barrocos, românticos e Arte Nova (porta principal emoldurada por folhas entrelaçadas, ladeada por janelas decoradas a ferro por motivos ondulantes). Na fachada principal acentuam-se 3 eixos de simetria, o corpo central e o pano central dos corpos flanqueantes. O registo de azulejos da fachada principal tem como motivo várias alegorias: o central representa o comércio e a indústria, os laterais, representam as 4 estações do ano».
Gostava agora de descobrir agora alguma informação sobre o arquitecto e, se possível, sobre o proprietário.

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Life Cooler

IPPAR

Esta Lisboa que eu amo

quarta-feira, 22 de abril de 2009

A Terra

Pintura de Sir Edward Burne-Jones, Earth Mother (1882, Worcester Art Museum, Worcester).
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Avec ce caractère sacré, avec se rôle maternel, la terre intervient dans la société comme garant des serments. Si le serment est le lien vital du groupe, la terre est mère et nourrice de toute société.
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Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.

terça-feira, 21 de abril de 2009

As papoilas

Pintura de Claude Monet, Campo de Papoilas num vale perto de Giverny (1885, Colecção Privada).
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A papoila é uma das flores que mais gosto.
Anima-me, na Primavera, ver campos de papoilas, ou, por vezes, apenas algumas espreitando entre as outras flores silvestres. Gosto do contraste que fazem, com a cor vermelha das suas pétalas, entre os tons verdes do campo. Como outras flores silvestres murcham logo se as arrancamos. Talvez sejam ainda mais frágeis que a maioria. Por isso, é raro ter a pretensão de arrancá-las da terra. Por isso, talvez, tenho a tentação de fotografá-las, para poder guardar a sua imagem. Alguns pintores, como Monet, captaram-nas nas suas telas, como nesta obra que aqui reproduzo.
As papoilas surgem apenas no início da Primavera. Pouco tempo depois desaparecem - até ao ano seguinte. Acho que quando vier o dia da Espiga, este ano, já não vão haver muitas.
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Texto de Margarida Elias.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Se eu fosse pintor I

Pintura de Claude Monet, La Porte D'Amount, Etretat (1868-1869, Colecção Privada).
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Se eu fosse pintor, passava a minha vida a pintar o pôr do Sol à beira-mar. fazia cem telas, todas variadas, com tintas novas e imprevistas. É um espectáculo extraordinário.
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Raul Brandão.

domingo, 19 de abril de 2009

Au clair de la lune

Desenho de Margarida Elias.
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Au clair de la lune
-Au clair de la lune
Mon ami Pierrot
Prête-moi ta plume
Pour écrire un mot
Ma chandelle est morte
Je n'ai plus de feu
Ouvre-moi ta porte
Pour l'amour de Dieu
-
Au clair de la lune
Pierrot répondit
Je n'ai pas de plume
Je suis dans mon lit
Va chez la voisine
Je crois qu'elle y est
Car dans sa cuisine
On bat le briquet
-
Au clair de la lune
L'aimable Lubin
Frappe chez la brune
Qui répond soudain
Qui frapp' de la sorte
Il dit à son tour
Ouvrez votre porte
Au dieu de l'amour
-
Au clair de la lune
On n'y voit qu'un peu
On chercha la plume
On chercha du feu
En cherchant d' la sorte
Je n' sais c' qu'on trouva
Mais je sais qu' la porte
Sur eux se ferma.
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Canção infantil francesa.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Ser feliz

Grafitti da Rua Diário de Notícias (Fotografia de Margarida Elias, 2009).
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Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver
apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...
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Fernando Pessoa.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Como faço para me tornar um sábio

Desenho de Margarida Elias.
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"- Mestre, como faço para me tornar um sábio?
- Boas escolhas.
- Mas como fazer boas escolhas?
- Experiência – diz o mestre.
- E como adquirir experiência, mestre?
- Más escolhas."
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O Voo do Pintarriscos.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

O Gosto dos Gostos

Ilustração de Duarte de Almeida, O Gosto dos Gostos (In Histórias Maravilhosas da Tradição Popular Portuguesa, f. 12, p. 367).

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Havia num grande reino de outrora um velho Rei que tinha três filhas. Chegado a idade tão avançada que lhe era penoso tratar dos negócios públicos, mandou reunir a corte com todos os representantes do povo e deu-lhes parte que ia dividir o reino pelas suas três filhas, se elas mostrassem gostar do pai como lhe cumpria.
Foram pois chamadas as três princesas, e perguntou o Rei à mais velha:
- Filha, como gostais de mim?
- Senhor, eu vos quero como ao ver dos meus olhos.
- Muito amor me tens, filha, e eu te agradeço dando-te a parte oriental do meu reino. E vós, filha minha, como gostais de mim? - perguntou à segunda.
- Senhor, como de mim mesma.
- Muito me agrada esse dizer, e vos agradeço. Ficareis pois com os verdes prados e as altas montanhas da bela província do Norte. E vós, minha filha, a que comparais o vosso afecto? - perguntou à mais nova.
- Pai e Senhor meu, amo-vos como ao gosto dos gostos das pedrinhas de sal.
Quando a princesa acabou de falar, levantou o Rei os braços aos céu clamando que a filha mais nova o não amava. Mandou-a sair da sala (...). Depois, (...) expulsou a filha de casa e mandou-lhe dizer que nunca mais a queria ver.
A pobre princesa saiu do palácio chorando o seu desgosto e abandono, e (...) foi ter com sua madrinha, a fada melhor de quantas existiam nesses ditosos tempos em que as fadas acudiam aos homens em suas aflições (...).
(...)
(A fada) (...) prometeu-lhe que a não abandonaria nunca e lhe aconselhou o que devia fazer.
Partiu dali a menina, mais consolada, e para encobrir seus vestidos ricos de infanta pôs às costas uma feia pele de burro (...).
(...)
Chegou por fim ao palácio de campo do Rei de França, e apresentou-se à porta perguntando se queriam serviçal.
(...)
Como parecia feia (...) nenhum serviço lhe deram senão o de andar pelo campo a guardar os patos. (...)
A Princesa tudo levava com paciência, e, quando se via só (...) punha-se a fiar para distrair suas penas, pensando no formoso Rei, seu senhor, que porventura a poderia esposar se ela fosse ainda infanta real em casa da sua família.
...)
Às vezes impancientava-se (...) e quando via os patos correrem cada um para seu lado, batia-lhes com o queijado e dizia:
- Pata aqui, pata ali, filha de Rei a guardar patos é coisa que eu nunca vi!
(...)
Quando o Rei tal soube encheu-se de curiosidade e foi para o campo espionar a rapariga. (...)
Ficou intrigadíssimo (...). Soube que ela dormia num canto escuro (...) e foi espreitá-la pelo buraco da fechadura.
A Princesa entrou para o quarto, fechou a porta (...). Depois lavou-se, penteou-se, vestiu um dos seus bonitos fatos (...), mostrando ser a mais formosa dama que até aí ele tinha contemplado.
Por sua vontade teria entrado logo, mas teve medo de a assustar e retirou-se com o firme propósito de mandar ao outro dia chamar a Pele de burro. (...)
Quando tal disse toda a gente se riu, e tanto o magoaram esses risos que se envergonhou, quase convencido que fora um sonho que tivera.
Entrou depois numa tristeza tão grande, que nunca mais pôde dormir nem comer com descanso (...).
A mãe chorava muito e não se fartava de lhe perguntar o que lhe apetecia comer.
- Desejo um bolo amassado pela Pele de burro - disse por fim de muito instado.
(...)
A menina arranjou a melhor farinha (...). Quando já estava pronto e só lhe faltava entrar no forno, tirou do dedo o mais formoso dos seus anéis e meteu-o dentro.
Trouxeram o bolo ao Rei e ele comeu-o com tal sofreguidão que ia engolindo o anel.
Quando o encontrou deu um grito de alegria, arrecadou-o e disse à mãe que casava com a mulher a quem servisse aquela pequenina jóia.
Foram chamadas todas as princesas e damas da corte, mas nenhuma conseguia enfiá-lo no dedo. (...)
Veio a Princesa com o seu feio trajo mais debaixo dele surgiu a mais linda mão que até aí se tinha visto. O anel entrou com toda a facilidade, e ela, no meio da admiração de todos, sacudiu pele que a cobria e mostrou-se com o brilhante vestido da cor do sol (...).
O Rei melhorou imediatamente e marcaram logo o dia para o casamento.
A Princesa contou a sua vida ao Rei e perguntou logo notícias do pai, ficando muito triste quando soube que as irmãs o tratavam tão mal que ele errava de corte em corte, sem reino e sem família.
O Rei mandou-o convidar para assistir ao seu casamento, mas não lhe disse quem era a noiva, nem ela se deu a conhecer quando o pai chegou.
No dia do casamento houve um grande jantar e a Princesa ordenou que a comida do pai fosse toda feita à parte e sem nenhum sal.
O velho Rei via que todos comiam com gosto (...), mas não podia levar tal sensaboria de comer.
Até que no fim lhe perguntou a filha:
- Senhor Rei, porque não comeis?
- Porque não tenho vontade, real Senhora.
- Não é por isso, mas sim porque falta na vossa comida o gosto dos gostos das pedrinhas de sal. Já sabeis que sem ele se não pode comer com gosto.
O velho Rei tudo compreendeu, e, abraçando a filha, confessou o erro em que tinha caído (...).
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História recolhida e contada por D. Ana de Castro Osório.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Descida da Cruz

Pintura de Rubens, Descida da Cruz (1612-1614, O.L. Vrouwekathedraal, Antuérpia).
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É extraordinária esta obra de Peter Paul Rubens (1577-1640), um dos pintores mais importantes da época barroca. Quem me chamou primeira a atenção para este quadro foi um amigo da minha mãe que é professor de estética na Sociedade Nacional de Belas-Artes.
É uma pintura notável. A figura de Cristo insere-se na diagonal ascendente da composição, contudo ele desce da cruz, estando a sua cabeça virada para baixo. Essa diagonal é branca: branco o pano em que vão envolver Cristo, branco o corpo de Cristo morto. Esse branco está rodeado de uma escuridão onde se vislumbram as restantes personagens. Entre elas sobressai São João, trajado de vermelho, como é próprio da sua iconografia. E esse vermelho é uma cor quente e vibrante, característica da pintura flamenga. Li algures que Rubens foi dos últimos pintores a saber compôr esse tom de vermelho. Mais discreta é a figura de José de Arimatéia, ricamente trajado, o qual seria o dono do sepulcro onde iria enterrar Jesus. No canto superior direito, deve-se observar o pormenor naturalista do homem que para fazer força, para envolver Jesus no pano de linho enquanto segura o corpo, morde o pano. Maria surge na escuridão, vestida de escuro, de luto, tentando tocar no filho, numa pungente mágoa que se pode observar na expressão dolorosa do seu rosto. Madalena, em baixo, segura um pé de Cristo, para quem olha triste, mas serena. A brancura rosada do seu braço prolonga o branco do corpo de Cristo, dando-lhe continuidade. No canto inferior esquerdo, junto da escada que foi utilizada para subirem à cruz, está uma natureza-morta, constituída por objectos ligados à paixão, entre os quais se encontra a coroa de espinhos.
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Margarida Elias.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

A Última Ceia

Pintura de Andrea del Castagno, Última Ceia (1447, Sant'Apollonia, Florença).
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Este fresco de Andrea del Castagno (1423-1457) é uma representação da Última Ceia, anterior à mais conhecida obra de Leonardo da Vinci, que data de 1498. No entanto, há semelhanças, que se devem em parte ao facto de se tratarem ambas de pintura renascentistas italianas. Neste caso, devemos notar em alguns aspectos que dão a esta composição um grande interesse em termos de História da Arte. Em primeiro lugar, devemos observar a solenidade propiciada pela perspectiva rigorosa, com ponto de fuga, i.é, centralizada, entre a cabeça de Cristo e a de São João. Depois, é notável a frontalidade da mesa, que, respeitando as mesmas regras de perspectiva, se transforma numa faixa branca horizontal, em torno da qual se dispoem as treze figuras. Interessante ainda, é a posição de São João, dobrado sobre a mesa e encostando a cabeça a Jesus, num esquema iconográfico muito utilizado nesta época. Mas, mais curiosa é a única figura que fica em frente da mesa. Enquanto os outros doze apóstolos se organizam simetricamente atrás da mesa, um apóstolo, junto de Cristo, ao centro, está sentado do lado do espectador. Esta solução é pouco habitual e por isso se torna mais notável. Por fim, não devemos deixar de observar os seis blocos de mármore que decoram a parede do fundo da sala, que constituem, pelo seu valor decorativo, seis quadros abstractos, onde o artista pode dar liberdade à sua criatividade, embora procurando reproduzir os efeitos naturais da pedra. Entre esses blocos, note-se o que se situa sobre Cristo, o mais decorado, chamando a atenção para a figura principal da cena que está a ser narrada.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Caminho da Floresta

Gravura baseada numa pintura de Alfredo Keil, Caminho da Floresta (Exposição Universal de Paris, 1878).
Imagem digitalizada disponibilizada pela Hemeroteca Digital.
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«(...) Representa o quadro um Caminho da Floresta, uma d'essas florestas aonde o sol claro de julho rompe a custo atravez da espessa folhagem dos arvoredos, entre os vagos e festivos murmurios da natureza desperta. Á esquerda avista-se uma sébe; protegido pela sombra das grandes arvores da direita vê-se um pintor copiando um ponto pittoresco. (...)»
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O Occidente, n.º 17 (1878), p. 132.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A flor

Gravura baseada numa escultura de Soares dos Reis, A Infância do Artista (obra premiada na Exposição Universal de Paris, 1878).
Gravura de O Occidente, n.º 19 (1/10/1878), edição digitalizada disponibilizada pela Hemeroteca Digital.
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Pede-se a uma criança: Desenhe uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase que não resistiu.
Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era de mais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: uma flor!
As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor!
Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas são aquelas linhas as linhas com que Deus faz uma flor!
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Almada Negreiros.

domingo, 5 de abril de 2009

Surpresa

Fotografia de Margarida Elias, Termas dos Cucos (Torres Vedras, 2009).
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A realidade é apenas
uma luz por dentro das coisas. Teia
em que se enreda o olhar que traz
dentro de si o amor do mundo.
Vaso que dá forma à
toalha líquida dos instantes. Suspensa
ponte sobre as margens do tempo.
Baste
ao amor a adivinhação, ao sorriso
a presença de um sonho. A luz
floresce em qualquer parte.
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Adolfo Casais Monteiro.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

A pintura de História

Pintura de Corot, O Baptismo de Cristo (1845-47, Igreja de Saint-Nicolas-du-Chardonnet).
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Desde a fundação das Academias, nomeadamente em França, no Século XVII, que foi definida uma hierarquia de géneros. Nessa hierarquia estava no topo a pintura de História, considerada a mais nobre, quer pelo grau de dificuldade da composição, exigindo mestria na representação de pessoas, objectos e paisagens, quer pela importância dos temas. A seguir estava o retrato e a pintura de género, depois a paisagem e, por fim, a natureza morta. O Século XIX veio subverter esta situação, pondo fim às regras académicas. Nessa subversão cabe a valorização da pintura de paisagem e de ar-livre, a qual esteve ligada aos movimentos que, em meados do século, iriam transformar os conceitos estéticos de beleza e de ordem clássicas. Entre esses movimentos contam-se a Escola de Barbizon, o Realismo e o Impressionismo.
Até à consagração da pintura de paisagem, muitos pintores compunham quadros onde a paisagem ocupava a maior parte do espaço, sendo as figuras bastante reduzidas. Por fim, davam a essas obras títulos evocadores de uma temática mais «nobre». Um dos pintores que mais utilizou este esquema foi precisamente Corot.
No entanto, nesta obra em particular, o artista respeita a valorização do tema histórico, de carácter religioso, dando importância compositiva ao assunto escolhido e mantendo um esquema tradicional da representação do Baptismo de Cristo. Esta opção está provavelmente ligada ao facto de se tratar de uma encomenda para uma igreja. No entanto, não deixa de ser notória a dimensão dada às árvores que se prolongam verticalmente ao longo do quadro, chegando ao Céu. As árvores funcionam como um factor de união entre o espaço terreno e o espaço Celeste, no qual surge um anjo, olhando para a cena que decorre em baixo - São João baptizando Jesus. Do mesmo modo, o Céu azul prolonga-se no azul do rio Jordão e termina no azul do manto de Cristo, estendido no chão.
Corot encontrava-se na transição do Romantismo para o Realismo, sendo por isso ainda sensível aos valores de espiritualidade defendidos pelos artistas românticos. Apesar disso, devemos notar no carácter clássico das figuras e na estabilidade da composição, que remetem para esquemas compositivos desenvolvidos desde o Século XVII, em França, nomeadamente por Nicolas Poussin.
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Texto de Margarida Elias.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Se eu fosse pintor

Pintura de António Carneiro, Porto Manso (O Rio Douro em Ancede) (1927, Museu do Chiado, Lisboa).
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«(...) Se eu fosse pintor, dava isto com três brochas cheias de tinta - uma pincelada, maior, para o mar azul que não tem fim, até à linha doirada do areal - outra para o mar verde e raso dos milharais (...) - outra enfim verde-escura para o biombo recortado que cinge esta faixa desde Caminha à foz do Lima. Por fim, dois ou três toques para os montes ensaboados, muito ao longe, e um outro, lilás, para um ponto que tremeluz e é talvez Esposende, ou talvez não exista... Fim de tarde. É a hora em que anda errática não sei que alma extasiada e os montes se tornam transparentes como nuvens. Até aquele morro espesso empalidece e desmaia... Mistura-se pó verde lá longe na água, e um vulcão de fogo entre nuvens torna o horizonte apoteótico».
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Raul Brandão.