sexta-feira, 6 de abril de 2012

Dürer e a «Última Ceia»

 
 
Albrecht Dürer, A Última Ceia (1510 e 1523, Graphische Sammlung Albertina).
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Nesta noite, de Quinta-feira Santa, em que segundo a liturgia se comemora a Instituição da Eucaristia, trago aqui três versões da Última Ceia de Dürer (1471-1528). No primeiro caso, de 1510, a imagem surge na vertical, o que contraria a ideia de horizontalidade muitas vezes associada ao tema. Cristo foi colocado ao centro da composição, abraçando São João. Sobre eles vemos uma janela, que deixa entrever o céu escuro da noite. O tecto abobadado da sala é indicador de um cenário arquitectónico ainda gótico. Ao lado de Jesus veem-se os outros apóstolos, dialogando agitadamente entre si, sendo de notar um que está de costas para Jesus, enchendo um copo com água - ou vinho. Sobre a mesa estão os restos da ceia e, no chão, está uma bilha de vinho. É uma composição onde a naturalidade dos gestos se cruza com o simbolismo dos objectos, dentro de uma estilística própria da Europa do Norte. Difere do modelo que foi estabelecido por Leonardo da Vinci, apesar do artista alemão já conhecer possivelmente a Ceia do artista italiano. 
As outras duas composições são de 1523, mas são diferentes entre si. Em ambas a horizontalidade da mesa é marcada pela horizontalidade da composição. No primeiro caso ainda surge a mesma janela sobre Cristo, mas já não é escura - é um círculo iluminado, indicando a luz do dia, a luz solar. Aliás esse círculo já não está directamente sobre Cristo, mas sim no vértice de um triângulo entre Cristo, São João e (provavelmente) São Pedro. Numa linguagem de certo modo mais próxima de Da Vinci, há uma maior simplicidade de gestos e surgem menos objectos: um cálice é tudo o que se vê sobre a mesa. No chão, um prato vazio faz o espelho da janela e, junto dele, vê-se um cesto cheio de pão, que simboliza a Eucaristia. 
Por fim, no terceiro caso, Cristo já não está ao centro - ele e São João estão do lado esquerdo, tendo à sua frente o cálice e o pão eucarísticos. Há uma grande simplicidade formal que sugere um tipo de equilíbrio sereno e majestoso, influenciado pelo Renascimento Italiano. Contudo, a iconografia difere do discurso preconizado por Roma, o que se deve provavelmente ao facto de pertencer à fase final da vida de Dürer, quando o protestantismo introduzido por Lutero começava a ser divulgado em Nuremberga. Deste modo, o artista volta à iconografia oriental, em que Cristo, colocado na ponta de uma mesa, era visto de perfil.
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Bibl.: Erwin PANOFSKY, La Vie & L' Art d' Albrecht Dürer, Hazan, 1987.

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