sexta-feira, 26 de abril de 2013

Realismo e Naturalismo I

Helena Roque Gameiro, Crisântemos (1916, Museu José Malhoa - MatrizNet).
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Faz parte das minhas dúvidas metódicas, e suscitou questões na minha defesa de Tese de Doutoramento, a distinção dos conceitos de realismo e de naturalismo. De um modo simples, segundo o Dicionário de Cândido de Figueiredo (1924), naturalismo é o estado do que é produzido pela natureza, uma doutrina filosófica e religiosa que atribui tudo à natureza, como primeiro princípio. Realismo é um sistema dos que supoem conhecer o mundo exterior como realidade objectiva, em oposição ao sistema dos que julgam que só conhecemos as nossas impressões. O realismo é uma representação «artística ou literária das cenas da natureza, aproveitadas nas suas minúcias e em toda a realidade». Como se vê, já por aqui, os termos podem confundir-se e foram usados de um modo quase indistinto em textos do final do século XIX e início do século XX.
De acordo com as minhas pesquisas e as conclusões que tirei, o naturalismo tem a ver directamente com a natureza e com a atenção ao natural. Na arte pode remontar ao estilo que foi desenvolvido a partir do período barroco, tendo como paradigma a pintura de Caravaggio. Na literatura está mais relacionado com a escola de Zola e seus seguidores, mas também com a pintura que se desenvolveu, em meados do século XIX, pelos artistas que frequentavam a região de Barbizon e se dedicavam a figurar nos seus quadros temas retirados da natureza, nomeadamente árvores, florestas ou os camponeses a trabalhar. Contudo, ainda antes deles, já Constable, em Inglaterra, se dedicava a estudar as nuvens, podendo recuar-se ainda mais no tempo, pois o estilo clássico da Antiguidade tem muito a ver com o naturalismo. Sendo assim, penso que o naturalismo aceita a natureza como é e procura compreendê-la, atitude essa que é recorrente na história da humanidade, muito ligada ao espírito científico e, mais recentemente, à ecologia. Não deixa de ser relevante que o período da Escola de Barbizon, que foi quando o naturalismo começou a triunfar, fosse precisamente o período em que a revolução industrial tornava a vida das cidades cada vez mais tensa, sendo necessário o refúgio no campo para poder descansar - quanto mais não fosse a vista, ao olhar para um quadro colocado numa parede figurando uma paisagem aprazível. Para concluir, para mim pelo menos, o naturalismo tem a ver com a representação das coisas naturais e figuradas de um modo natural.
O conceito de realismo, por sua vez, também evoluiu. Foi primeiro entendido como representação da realidade, estando associado, na história da pintura, aos quadros de costumes quotidianos realizados pelos artistas holandeses do século XVII, como Vermeer, por exemplo. Mais tarde ganhou conotações políticas, particularmente com os textos de Proudhon e a obra de Courbet, que associaram o realismo à denúncia da verdade, abordando mesmo os seus contornos menos atractivos. Com o tempo, esse carácter político foi prevalecendo, nomeadamente com o realismo socialista, já no século XX. Deste modo, o realismo corresponde é a figuração da realidade, mesmo que por vezes se faça uma deformação da realidade formal para se acentuar a realidade significada - como é o caso da obra de Daumier. 
Por fim, poderei concuir que, de um modo resumido, e pelo menos no que diz respeito à pintura, o naturalismo tem mais a ver com a forma e o realismo tem mais a ver com o assunto. Um quadro pode ser simultaneamente naturalista e realista; pode ser naturalista (na forma) e não realista (no assunto); pode não ser naturalista (na forma) e realista (no assunto). Por outro lado lado, o realismo do assunto pode resumir-se apenas ao facto de ser um tema real, ou pode ser um assunto de realismo social. Há ainda o realismo e o naturalismo históricos, que pertencem ao século XIX, mas também há o naturalismo e o realismo estéticos, que poderão remontar a épocas mais recuadas. Um exemplo paradigmático do realismo histórico é Courbet, do naturalismo histórico é Diaz de la Peña. Do naturalismo estético será Caravaggio, do realismo estético será Vermeer. Mas será que é mesmo assim?

3 comentários:

ana disse...

Excelente e uma ajuda. :))
Beijinho.

Margarida Elias disse...

Ainda bem! Bjns!

Presépio no Canal disse...

Gosto destes crisântemos. Bjs!