segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Adenda ao post «Casas» - em torno de um interior de Samuel van Hoogstraten

Já há uns bons anos que me intriga esta pintura, que, por acaso, encontrei de novo, há poucos dias, no Facebook. Por isso, decidi dedicar-lhe um post.

Samuel van Hoogstraten, Les Pantoufles (1654-62, Musée du Louvre, Paris).
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O tema é, aparentemente, muito simples, pois representa o interior de uma casa. Mas, quando olhamos melhor, não é assim tão simples.
Em primeiro plano, à direita, está uma porta aberta, que corresponde ao local onde está o observador, (talvez) prestes a entrar. Em segundo plano, está um espaço intermédio, onde se vê, do lado esquerdo, um pano e uma vassoura. Em terceiro plano, está um terceiro espaço intermédio, onde estão os chinelos que deram o nome ao quadro. 
Só no quarto plano, que se abre por uma porta que ainda tem a chave na fechadura, entramos realmente na casa. E aqui, começa verdadeiramente o enigma. Vemos uma mesa com uma colcha amarela e, ao seu lado, uma cadeira forrada com o mesmo tecido. Sobre essa cadeira está um quadro - e é certo que a "chave" do primeiro quadro está nesse segundo quadro, onde podemos ver uma rapariga de costas.

(detalhe - Link)

Na verdade, essa pintura faz lembrar outras três, uma de Caspar Netscher (Link) e duas de Gerard Ter Borch, uma das quais conhecida com o título The Paternal Admonition (1653-1655, Rijksmuseum Amsterdam - Link):

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Samuel van Hoogstraten (1627-1678) (Link) foi um artista holandês, discípulo de Rembrandt, cuja obra foi marcada pelo interesse em questões de perspectiva (Link). É autor de outras pinturas que considero curiosas e apelativas, como o caso desta que aqui também coloco, e que tem semelhanças formais com Les Pantoufles:

View of a Corridor (1662, National Trust, Dyrham Park - Link)
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No site do Louvre podemos ler um artigo de Guillaume Kazerouni sobre o quadro Les Pantoufles e que irei aqui resumir (fica o Link para o artigo na íntegra). Segundo esse texto, o quadro, inicialmente atribuído a Pieter de Hooch, faz alusão às ocupações da mulher galante, que está ausente e simbolizada pelos seus chinelos. Sem animação humana aparente, toda a atenção de Hoogstraten parece ter estado concentrada na construção rigorosa do espaço, criando um efeito de trompe-l'oeil: «fenêtre ou porte ouverte sur l'univers d'un autre siècle». Contudo, esta obra não se resume à ilusão espacial e ao jogo formal. Para lá das aparências, existe uma lição de moralidade. As pantufas abandonadas, situadas no centro da composição, insinuam que a mulher deixou as suas tarefas domésticas, para se dedicar a um encontro amoroso, o que é confirmado pelo quadro que alude a The Paternal Admonition de Netscher ou Ter Borch. De facto, a utilização de um tema banal para transmitir um conteúdo moral, era característica da pintura holandesa do séc. XVII. A pintura de Hoogstraten é uma condenação da vida das mulheres que esqueciam os deveres domésticos e morais.
Deixo, por fim, dois detalhes desta pintura, que acho interessantes. Um é o da vela apagada (símbolo de vanita) e do molho de três chaves, que indicam as três portas que foram abertas:

(detalhe - Link)

O outro, é o dos azulejos no chão, junto da vassoura, que são típicos azulejos azuis e brancos holandeses do séc. XVII e que parecem também aludir à vida galante:

(detalhe - Link)

2 comentários:

Presépio no Canal disse...

Muito interessante este post. Reconheci logo os azulejos do chão. ;-)
Acho que vais gostar dos links abaixo:
http://www.museumvanloon.nl/
http://fr.wikipedia.org/wiki/Huis_De_Pinto
http://www.opsolder.nl/
Ainda só vi esta última. Talvez visite as outras ainda este Inverno.
Beijinho! :-)

Margarida Elias disse...

Irei ver com calma os links. Muito obrigada pela dica! Gosto muito deste tipo de azulejos. Bjns!