segunda-feira, 31 de março de 2014

Retratos

Andrea del Sarto, Retrato de Homem (1515-1516, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa)
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«O castelão foi tratar da ceia e eu pus-me a examinar as espadas e os retratos. Como já disse antes, os seus traços estavam pintados com grande realismo. À medida que dominuía a claridade diurna, as tapeçarias de cores escuras, confundiam-se na sombra com o fundo escuro do quadro e o clarão da lareira realçava-lhes apenas os rostos, o que não deixava de ser aterrador; ou talvez assim me parecia, visto que o estado da minha consciência me provocava um terror habitual.
(...)
O castelão retirou-se. Comecei a rezar e, de vez em quando, punha mais uma acha no lume. Mal me atrevia a circunvagar os olhos pela sala, pois parecia-me que os retratos ganhavam vida. Assim que demorava o olhar em alguns deles, tinha a impressão de que piscava os olhos e torcia a boca, principalmente o senescal e a mulher, cujos retratos pendiam de ambos os lados da chaminé. (...)»
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Jan Potocki, Manuscrito encontrado em Saragoça, Vol. 2, Lisboa, Cavalo de Ferro, 2004, tradução de José Espadeiro Martins, pp. 238-239.

domingo, 30 de março de 2014

Mudou a hora...

Giorgio de Chirico, The Enigma of the Hour (1911)
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Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, 
Muda-se o ser, muda-se a confiança: 
Todo o mundo é composto de mudança, 
Tomando sempre novas qualidades. 

Continuamente vemos novidades, 
Diferentes em tudo da esperança: 
Do mal ficam as mágoas na lembrança, 
E do bem (se algum houve) as saudades. 

O tempo cobre o chão de verde manto, 
Que já coberto foi de neve fria, 
E em mim converte em choro o doce canto. 

E afora este mudar-se cada dia, 
Outra mudança faz de mor espanto, 
Que não se muda já como soía. 
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sexta-feira, 28 de março de 2014

Com votos de bom fim-de-semana

Norman Rockwell, Boy Reading Adventure Story (1923)
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«You just need two cups of courage
And a little pinch of pluck
A quarter pound of cleverness 
A dash of plain old luck
Then you mix them up all together
Into one tremendous stew
It’s a recipe for adventure
Cooking up inside of you»
(Link)
...

quinta-feira, 27 de março de 2014

E bergamota

Franz Eugen Köhler, Citrus bergamia (1897)
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É um dos meus perfumes preferidos e descobri recentemente que é também um dos ingredientes de um dos chás de que mais gosto, o Earl Grey. A criação deste chá liga-se a Charles Grey, 2.º Conde Grey (1764-1865).
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Thomas Phillips, Charles Grey, 2nd Earl Grey (c. 1820, National Portrait Gallery, Londres)
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(Link)

quarta-feira, 26 de março de 2014

O Jasmim

Charles-André van Loo, La Marquise de Pompadour en jardinière (c. 1754-1755, Palácio de Versalhes)
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Gosto da flor, gosto do perfume e gosto do chá.
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Zhao Chang (atr.), Branch of Flowering White Jasmine (séc. XII, Sammlung Sugahara)
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Adelaide de Habsburgo, Ramo de jasmim (1837, Palácio Nacional da Ajuda)
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Pyotr Konchalovsky, Jasmine bush (1955)
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(Link)
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Segundo li na internet (aqui e ali), o jasmim tem benefícios para a saúde. Há mesmo quem relacione a longevidade da população da ilha de Okinawa (Japão) com o facto de beberem assiduamente chá de jasmim, misturado com folhas de chá verde. E diz-se também que é calmante. E, como hoje foi o dia mundial do chocolate:

(Link)

terça-feira, 25 de março de 2014

A Inocência

Jorge Barradas, Anunciação (1936, Museu do Chiado – Museu Nacional de Arte Contemporânea)
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A Inocência

Caminhando no mundo vai segura 
A Inocência, com grave firme passo. 
Sem temor de cair no infame laço 
Que arma a traidora mão, a mão perjura. 

Como não obra mal, nem mal procura 
Para os seus semelhantes, corre o espaço 
Sem lança, sem arnês, sem peito de aço, 
Armada só de consciência pura. 

Pois que ofensa não faz, não teme ofensa 
E por isso passeia, satisfeita, 
Sem as feras temer na selva densa. 

Traições, ódios, vinganças não espreita. 
Certa no bem que faz, só nele pensa: 
Quem remorsos não tem, mal não suspeita. 
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segunda-feira, 24 de março de 2014

O Vento II

John William Waterhouse, Boreas (estudo) (c. 1903)
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John William Waterhouse, Boreas (1903)
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Voo sem asas,
assobio sem boca,
fustigo sem mãos
e não me vês nem me tocas.
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Adivinhas, Everest Editora, 2000, pp. 22-23.

domingo, 23 de março de 2014

Outro pensamento: Ciência e Imaginação

Mikalojus Ciurlionis, Thoughts (1907)
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Gosto de assistir à nova série Cosmos apresentada por Neil deGrasse TysonOuvir as palavras de Tyson demonstra bem como vivemos num mundo maravilhoso, mesmo quando nos cingimos a factos científicos. Citando as palavras deste astrofísico, noutro contexto: «I know that the molecules in my body are traceable to phenomena in the cosmos. That makes me want to grab people on the street and say: ‘Have you HEARD THIS?»

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Contudo, gosto também de outros mundos de pura imaginação, de fantasia e de magia, sob as mais diversas formas artísticas. Será que esse mundo fora da realidade é realmente oposto ao da ciência? Se falarmos de magia no sentido clássico, claro que sim (mas eu gostava que existisse, confesso!). Mas a imaginação é mais do que isso e é espantoso pensar que muito daquilo que era considerado simples magia há uns séculos atrás, é hoje puro facto científico. Einstein terá dito: «Logic will get you from A to Z; imagination will get you everywhere.»

Ronnie Landfield, Imagination's Door (1980)

sábado, 22 de março de 2014

Pensamento: A Memória

Mikalojus Ciurlionis, The Thought (1904, Memorial Museum of M.Ciurlionis, Kaunas)
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Durante muito tempo, considerei que era a criatividade que nos tornava a nós, humanos, seres diferentes dos outros animais. Contudo, penso agora que, apesar de a criatividade ser (na minha opinião) muito importante, a memória é mais essencial. Só com o desenvolvimento da memória, nomeadamente depois da invenção da escrita e de outras formas de registo (desenho, pintura, fotografia, tipografia, informática, ...) é que conseguimos ir acumulando conhecimento. Esse conhecimento crescente e cada vez mais abrangente é que nos permite também desenvolver a criatividade. A memória por isso deve ser preservada, quer a memória histórica, ao nível da humanidade em geral, quer a memória pessoal e individual. Que seríamos nós sem memória? Assim como escreveu António Damásio
«We all woke up this morning and we had with it the amazing return of our conscious mind. We recovered minds with a complete sense of self and a complete sense of our own existence — yet we hardly ever pause to consider this wonder.». 

Sem memória (ou consciência auto-biográfica) todos os dias teríamos de recomeçar do zero, repetindo quando muito acções instintivas e que estivessem guardadas no nosso código genético (que também é uma forma de memória, não consciente). Porém, no limite, tanto o desenvolvimento da memória como o da criatividade requerem a criação de um sistema de comunicação com alguma complexidade, que permite transmitir aos nossos semelhantes o conhecimento adquirido. 

Carl Spitzweg, Rose scent memory (1850)

É certo que há outros animais com boa memória, mas o nosso cérebro, na sua evolução, conseguiu levar essa capacidade a um patamar mais elevado. Não deixa de ser verdade, porém, que a falta de memória, se não for excessiva, também pode ter as suas vantagens, pois como disse Nietzsche: «The advantage of a bad memory is that one enjoys several times the same good things for the first time.»; ou Mark Twain: «A clear conscience is the sure sign of a bad memory.»

quinta-feira, 20 de março de 2014

A Primavera

Escola Italiana, Primavera (séc. XVIII, Museu Nacional de Soares dos Reis)
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Alfredo Keil, Primavera (1882, Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves)
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Veloso Salgado, Primavera  (1917, Museu Abade de Baçal)
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José Malhoa, Primavera (1932, Museu de José Malhoa)
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Manuel Cargaleiro, Zug - Primavera (1961, Centro de Arte Moderna)
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Bernardo Marques, A Primavera regressa à cidade (CAM)
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Olaria Alfacinha (Estremoz), Primavera (Museu Nacional de Etnologia)

quarta-feira, 19 de março de 2014

Aguarela

«A natureza é uma aguarela dos nossos olhos».
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António Ferro (1920).
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Lucy Willis, Cows in the Orchard

terça-feira, 18 de março de 2014

São José, nos Museus Portugueses

Círculo de Gérard David, Apresentação do Menino no Templo, Políptico da Vida da Virgem, pormenor do rosto de São José (1490-1500, Museu de Évora)
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De acordo com a Wikipedia, desde o século X que a Igreja Cristã Ocidental festeja o Dia de São José, no dia 19 de Março. Esse mesmo dia é comemorado como Dia do Pai, nos países católicos e nomeadamente em Portugal, Espanha e Itália. Até o ao século XVII, na arte, São José era representado como um homem de idade avançada, tendo geralmente um papel reduzido relativamente a Santa Maria e a Jesus. Posteriormente, foi ganhando importância, sendo representado também com um aspecto mais jovem.
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Josefa de Ayala, S. José e o Menino (c. 1670, Museu Nacional de Arte Antiga)
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Joseph Bottani, O sonho de São José (séc. XVIII, Museu Nacional de Machado de Castro)
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S. José com o Menino (séc. XVIII, Museu Nacional de Soares dos Reis)

segunda-feira, 17 de março de 2014

Iris

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The flower offered of itself
And eloquently spoke
Of Gods
In languages of rainbows
Perfumes
And secret silence...
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sábado, 15 de março de 2014

Gatos em fotografia

Harry Pointer (c. 1880)
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Edward Weston, Johnny (1944)
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Brassaï, Concierge (1946)
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Philippe Halsman, Salvador Dali A (Dali Atomicus) (c. 1948)
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Willy Ronis, La Fenêtre, Paris (1954)

sexta-feira, 14 de março de 2014

Para o Dia do Pi

M.C. Escher, Circle Limit with Butterflies (1950)
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«- You're telling me there's a message in eleven dimensions hidden deep inside the number pi? Someone in the universe communicates by ... mathematics? But ... help me, I'm really having trouble understanding you. Mathematics isn't arbitrary. I mean pi has to have the same value everywhere. How can you hide a message inside pi? It's built into the fabric of the universe.
- Exactly - She stared at him».
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Carl Sagan, Contact (1981).

quinta-feira, 13 de março de 2014

A Forma Justa

Paul Klee, Dream City (1921)
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A Forma Justa

Sei que seria possível construir o mundo justo 
As cidades poderiam ser claras e lavadas 
Pelo canto dos espaços e das fontes 
O céu o mar e a terra estão prontos 
A saciar a nossa fome do terrestre 
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia 
Cada dia a cada um a liberdade e o reino 
— Na concha na flor no homem e no fruto 
Se nada adoecer a própria forma é justa 
E no todo se integra como palavra em verso 
Sei que seria possível construir a forma justa 
De uma cidade humana que fosse 
Fiel à perfeição do universo 

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco 
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo 
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Adenda para as árvores em flor





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Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian (Março de 2014)