quinta-feira, 19 de maio de 2016

Aura da Arte - ainda Walter Benjamin

Frank Waller, Interior View of the Metropolitan Museum of Art when in Fourteenth Street (1881, Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque)
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Apontamentos de uma leitura do texto de Walter Benjamin, «The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction», de 1936.
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Benjamin começa por afirmar com razão que: «In principal a work of art has always been reproducible. Man-made artifacts could always be imitated by men. (...) Mechanical reproduction of a work of art, however, represents something new. (...)» Contudo ele lembra que:
«Even the most perfect reproduction of a work of art is lacking in one element; its presence in time and space, its unique existence at the place where it happens to be. this unique existence of the work of art determined the history to which it was subject throughout the time of its existence. This includes the changes wich it may have suffered in physical condition over the years as well as the various changes in its ownership.»


É totalmente diferente presenciar uma obra de arte (ou uma paisagem, ou um concerto, ...) do que ter acesso a uma reprodução. Porém, a reprodução, traz alterações na percepção que podem ser positivas, quer porque conseguem ultrapassar as limitações dos nossos sentidos, quer porque permitem fazer chegar uma mensagem a mais pessoas:
«The presence of the original is the prerequisite to the concept of authenticity. (...) Confronted with its manual reproduction, which was usually branded as a forgery, the original preserved all its authority; not so vis a vis technical reproduction. The reason is twofold. First, process reproduction is more independent of the original than manual reproduction. For example, in photography, process reproduction can bring out those aspects of the original that are unattainable to the naked eye yet accessible to the lens (...). Secondly, technical reproduction can put the copy of the original into situations which would be out of reach for the original itself. (...) The cathedral leaves its locale to be received in the studio of a lover of art; the coral production, performed in an auditorium or in the open air, resounds in the drawing room.»
No entanto, há algo que se perde: 
«The situations into which the product of mechanical reproduction can be brought may not touch the actual work of art, yet the quality of its presence is always depriciated. (...) what is really jeopardized when the historical testimony is affected is the authority of the object.»
E acrescenta: (...) which withers in the age of mechanical reproduction is the aura of the work of art. (...) One might generalize by saying: the technique of reproduction detaches the reproduced object from the domain of tradition. (...)»

Detalhe de Rembrandt Harmensz van Rijn, Homem velho em traje militar (1630-1631)

Creio que essa perda de aura com a reprodução mecânica (ainda mais hoje com os computadores e a internet), é válido mesmo numa reprodução de um livro. É diferente ter nas mãos uma edição original de um livro, do que a sua reprodução digitalizada num tablet. Maior a diferença se compararmos o manuscrito original do livro, que inclui as notas e hesitações do escritor. Benjamin temia pela destruição da aura da obra de arte:
«The concept of aura which was proposed above with reference to historical objects may usefully be illustrated with reference to the aura of natural ones. (...) Unmistakably, reproduction as offered by picture magazines as newsreels differs from the image seen by the unarmed eye. Uniqueness and permanence are as closely linked in the latter as are transitoriness and reproducibility in the former. To pry an object from its shell, to destroy its aura is the mark of a perception whose "sense of the universal equality of things" has increased to such a degree that it extracts it even from a unique object by means of reproduction. (...)»
Soares dos Reis, O desterrado (Museu Nacional Soares dos Reis), reproduzido na Atlântida em 1926.

É diferente assistir a um concerto ou ouvir o mesmo concerto no rádio ou ver na televisão, mesmo que em directo. É sempre diferente estar numa catedral, vê-la com os nossos olhos, ouvir o seu silêncio, sendo envolvidos pela sua arquitectura, do que ver uma ou mais fotografias dessa catedral. Mesmo o momento e a companhia com que temos essa experiência sensorial altera a nossa percepção do objecto ou do lugar. O mesmo se dirá da experiência de ver uma pintura ou escultura originais. As provas de autor de uma gravura têm ainda mais valor do que as cópias posteriores, por muito boas que sejam.
Algo da magia de uma peça é alterada com uma mudança de lugar - não é o mesmo ver um retábulo numa igreja e vê-lo num museu. Algo se perde nessa mudança, por vezes necessária - para proteger a peça ou para torná-la acessível a um maior número de pessoas. Mas essa tradição e aura associadas à obra de arte, que tendem a alterar-se com a história da peça, podem certamente correr o risco de diminuir com a reprodução (ou simples deslocação ):
«The uniqueness of a work of art is inseparable from its imbedded in the fabric of tradition. This tradition itself is thoroughly alive and extremly changeable. (...) It is significant that the existence of the work of art with reference to its aura is never entirely separated from its ritual function. In other words, the unique value of the "authentic" work of art has its basis in ritual, the location of its original use value. This ritualistic basis, however remote, is still recognizable as secularized ritual even in the most profane forms of the cult of beauty. (...) With the advent of the first truly revolutionary means of reproduction, photography, simultaneously with the rise of socialism, art sensed the approaching crisis which has become evident a century later. At the time, art reacted with the doctrine of art pour l'art, that is, with a theology of art. (...)

Columbano Bordalo Pinheiro, Retrato de mulher (Emília Bordalo Pinheiro) (1903-1905, Museu do Chiado, Lisboa) no Matrizpix, fotografia de José Paulo Ruas (2016)

A alteração da função do objecto (mesmo o original) pode alterar a aura desse objecto. Não é o mesmo entrar numa igreja aberta ao culto do que entrar nessa mesma igreja transformada, por hipótese, em livraria.
Relacionando a reprodução de obras de arte com o socialismo e a cultura de massas, Benjamin tem razão, certamente, ao apontar o facto de a obra de arte auferir, com a reprodução, um outro tipo de função: uma função política - ou até de propaganda:
«(...) mechanical reproduction emancipates the work of art from its parasitical dependence on ritual. To an ever greater degree the work of art reproduced becomes the work of art designed for reproducibility. (...) But the instant the criterion of authenticity ceases to be apllicabe to artistic production, the total function of art is reversed. Instead of being based on ritual, it begins to be based on another practice - politics.» 
Tenho a impressão que, apesar de tudo, a aura da obra de arte (da natureza, de tudo aquilo que é presenciado pessoalmente e fisicamente), mantém-se juntamente com a história da obra (e do local). Mesmo quem faz uma reprodução com máquina fotográfica tem uma interpretação única. Há sempre um factor de interpretação pessoal. E depois, há a questão política: a reprodução é necessária para tornar acessível, mas o original é necessário porque contém a aura.
Por isso, apesar de todas as reproduções que já vi de obras de arte que estão em museus, ainda quero vê-las pessoalmente. Nunca deixei de querer ir a um sítio porque me bastaram ver as fotografias desse sítio. Ver uma reprodução não é o mesmo quer ver, presenciar (ou mesmo ter?) o original.
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O texto de Walter Benjamin que li é o que se encontra no livro Modern Art and Modernism, pp. 217-220 (online).

5 comentários:

APS disse...

Sublinhe-se, no entanto, que a reprodução teve a virtualidade de "democratizar" a Arte. Não sei é se no bom sentido.
Eu próprio, nas paredes de casa, só ponho originais, mesmo que de autores menores ou desconhecidos. Tenho é que gostar da pintura. É cá uma fé..:-)E, embora um dos quadros de que eu mais gosto da pintura ocidental, seja a "Senhora com o arminho" (Museu de Cracóvia),de Da Vinci, não tenho nenhuma reprodução exposta. Tenho-o é de memória, na cabeça.
Uma boa tarde!

Margarida Elias disse...

ÁPS - Concordo inteiramente consigo. Também não tenho reproduções em casa, mas também tenho a sorte de ter uma família de pintoras e uma amiga pintora. Bom dia!

APS disse...

Eu só tive um pintor-de-domingo, na família (Primo), mas era bom na sua vertente..:-)

ana disse...

Margarida,
Não há como estar em frente da obra original. É uma sensação diferente, há magia, diria.
Só tenho uma reprodução no meu quarto e é por ser pequenina pois, não tem a mesma textura, a mesma cor, o mesmo sentido... a reprodução é de Chagall, é um postal.
Beijinho. :))

Margarida Elias disse...

Ana - Acho que o postal do Chagall deve ser uma bela companhia, até porque gosto de Chagall e de postais :-) Bom domingo e beijinhos!