quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Um desabafo - sobre o sensacionalismo e o sectarismo

Roger Weik, Difference of Opinion (2016)
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Não aprecio política e fujo das notícias como o diabo da cruz. Cresci numa época em que era normal ver o telejornal à hora do jantar, mas não consigo obrigar os meus filhos a isso. Porquê? Por inúmeras razões, sendo que as principais prendem-se com o tipo de jornalismo que se faz hoje em dia. 


Quando eu era pequena, o telejornal demorava cerca de 30 minutos e tinha uma sequência lógica. Começava com as notícias políticas e económicas do país, passava para as notícias internacionais, depois ia para o desporto e factos culturais. No fim, apareciam as reportagens brilhantes do Fernando Pessa, que terminavam com o «E esta, hein?» 
Não se viam mortes horríveis, nem jornalistas a entrevistaram uma pessoa com a casa em chamas e a perguntarem-lhe: «como é que se sente?» A última vez que acho que vi o telejornal com atenção foi quando um jornalista, à hora do jantar, se lembrou de dizer: «as seguintes imagens podem chocar algumas pessoas». E depois tive o "prazer" de ver, enquanto jantava, uma pessoa a auto-imolar-se. Acho imoral, Assim como acho amoral que se coloquem as notícias do futebol ao mesmo nível que a dos refugiados sírios, ou outra desgraça qualquer, isto enquanto se conta a história de um divórcio de celebridades. Não consigo obrigar ninguém, incluindo eu própria, a passar por esta provação.

Honoré Daumier, Leaving School (c. 1847-1848)

Dito isto, dirijo-me à questão que motivou este "post", tão incaracterístico deste blogue. Se há coisa que me põe os "nervos em franja" é o facto de certas pessoas aceitarem tudo o que fazem os governos conservadores de direita e, muitas vezes, aplaudirem. Vem um governo de esquerda, e ainda antes de este ter feito alguma coisa, subitamente, desata tudo a reivindicar. E reivindicam mesmo contra as leis que antes tinham aplaudido! 
Acho normal as pessoas mudarem de ideias. Eu tenho poucas certezas e arrepiam-me as pessoas que só têm certezas. Mas não acho normal uma pessoa mudar de ideias consoante os governos que estão à frente e cheira-me a oportunismo. Parece-me que as pessoas perante um governo conservador acham que têm de aceitar tudo de orelhas baixas. Mas, perante um governo mais liberal, sentem-se no direito de protestar por qualquer coisa, alto e bom som. E dão-se ao luxo de atribuir culpas a quem não tem culpa.
Não sei o que disse António Costa (porque não vejo notícias), mas vi uma pessoa a queixar-se de que os filhos estão demasiado tempo na escola. Ora, quem inventou que os pais deviam estar 40 horas / semana no trabalho foi o governo anterior. Se as crianças não tiverem avós que tomem conta delas, obviamente que têm de ficar na escola ou no ATL. E nem sequer é 40 horas. É mais 1 hora por dia, contando que os pais depois de deixarem e antes de irem buscar as crianças, têm de se deslocar e não possuem o dom do tele-transporte.

René Magritte, La culture des idées (1927)

Graças, talvez, à minha formação em História, tenho o hábito de saber atribuir o seu a seu dono. Sou tão capaz de criticar um governo de esquerda como um de direita. Apesar de ser de esquerda, se alguém de direita fez alguma coisa boa, sou capaz de a aplaudir. Se alguém de esquerda fez alguma coisa de que discordo, sou capaz de a criticar. Tenho os meus valores e as minhas ideias, muitas dúvidas. Quando mudo de ideias, tenho a humidade de o admitir, mesmo que me custe no orgulho. Aliás, uma das poucas certezas que tenho é de que não existem pessoas perfeitamente boas, nem perfeitamente más, em qualquer quadrante político, social ou religioso. Talvez por isso, não consigo aderir a nenhum partido político actual.
E sempre detestei este esquema português de obrigar os pais a estarem horas sem fim no trabalho quando têm crianças pequenas, que ficam horas sem fim na escola. Aliás, acho que devia haver uma carga menor de horário para famílias com crianças pequenas (por exemplo com menos de 12 anos), assim como para pessoas que têm a seu cargo pessoas idosas e/ou doentes. Seria mais justo, seria mais lógico.
Tenho dito.

7 comentários:

ana disse...

Margarida,
Aplaudo. Aplaudo. Excelente!
Vejo as notícias porque nem sempre posso ler os jornais na íntegra por falta de tempo, gasto em viagens e trabalho, mas a maioria é mau jornalismo. É degradante serve para aumentar audiências com coisas escabrosas e nada para informar as pessoas. Salvo vários temas abordados mas que tem primeiro que se ver a lixeira. A degradação familiar, a degradação social só mostra que a educação e a cultura têm sido maltratadas.
Concordo com o que diz. Os problemas dos nossos jovens existem na sua maioria por não terem referências familiares. Crescem num ambiente sem família, os colégios, as actividades extra-curriculares são a substituição do diálogo familiar.
Cansaço de horários, vida agitada, uma roda viva é o que acontece na vida das crianças e jovens.

Beijinho grato.:))

APS disse...

Concordo inteiramente com o seu poste, Margarida.
Mas grande parte de tudo isto já começou há muito. Um exemplo: em 1973, em Londres e através da BBC, ouvi, pela primeira vez um discurso em tempo real de um político estrangeiro - Harold Wilson. O PM inglês disse o que tinha a dizer, em 5 minutos. Fiquei pasmado, porque o nosso Marcello demorava, no mínimo, meia hora. Do Wilson, eu fixei as questões que ele pôs, e ainda hoje me lembro delas; dos discursos de Marcello só me lembro vagamente do primeiro, na AN...
Sobre a Educação e dos Filhos também são justas as palavras que escreveu. Quanto ao jornalismo que hoje se faz, é preferível nem falar...
Um bom resto de quarta-feira!

Presépio no Canal disse...

Um post com panos para mangas...
Concordo inteiramente contigo que os pais de menores de 12 anos ou os filhos com idosos para cuidar devessem ter mais condições para exercer o seu papel familiar de apoio e assistência, como, por exemplo, oportunidades para trabalhar em part-time, ou um dos membros do casal poder ficar em casa. Na Holanda, há homens que ficam em casa e é a mulher que vai trabalhar fora ( e ninguém critica o dito senhor por ter decidido assim). Ou trabalham os dois em part-time, pois os preços das creches são elevadíssimos (1500/mês se a criança ficar 40 horas semanais). Ou a mulher fica em casa. Claro que se fazem ajustes só com um ordenado: vive-se numa casa mais pequena, sem empregada e só com um carro, são os próprios que fazem as obras necessárias em casa, e as distracções são mais caseiras, o modo de vida mais simples (piqueniques, caminhadas, etc), mas pagar creches aqui a tempo inteiro é muito caro para a maioria das pessoas ( e impensável para quem tem 2 ou 3 filhos). No entanto, nunca ouvi dizer que quem fica em casa não trabalha, que tem uma vida santa ( que era uma coisa que ouvia em PT, por ex., em relação a uma prima minha e à minha madrinha e que sempre vi a trabalhar que nem mouras, sem tempo próprio). É importante haver uma boa conciliação entre a vida familiar e profissional. A sociedade só tem a ganhar.
Quanto ao jornalismo actual, já há muito que deixou de ser jornalismo. Neste momento, vou lendo alguns jornalistas que gosto, como o Pedro Correia, no Delito de Opinião e poucos mais. Tenho saudades do Fernando Pessa, da Maria Elisa, do Joaquim Letria, dos primeiros anos do Independente. Tenho saudades do jornalismo de investigação. Quanto aos infindáveis e sensacionalistas telejornais também não gosto. São doentios. Por cá, continuam a ser de 30 minutos e ainda bem.
Quanto ao sectarismo nas análises políticas, também não aprecio de todo. É importante ter massa crítica...
Bjs

Margarida Elias disse...

Ana - Obrigada! Concordo inteiramente consigo. Penso que vivemos numa sociedade onde os valores estão distorcidos e as pessoas se regem segundo o princípio de faz o que eu digo, não faças o que eu faço. Esperemos que venham melhores dias. Beijinhos!

APS - Tem toda a razão. Quem tem algo para dizer pode só precisar de 5 minutos e em 30 minutos pode-se dizer muita "palha". Ambiciono pelo dia em que o telejornal termine com a frase: «Hoje não aconteceu mais nada de relevante. Até amanhã!» Bom dia!

Margarida Elias disse...

Sandra - É mesmo essa a minha opinião. Eu acho que se devia fazer como dizes relativamente à vida familiar e profissional. Queixam-se tanto da baixa natalidade e não entendem que é difícil ter uma família grande (mais de 1 filho) ou cuidar dos pais idosos, com ambos os pais a trabalhar 9 horas por dia - se não houver quem ajude, ou dinheiro que pague a quem ajude. Quanto ao jornalismo sensacionalista, ou ao sectarismo político, não há palavras. Nem entendo como as pessoas aceitam tudo isto como sendo normal. Beijinhos!

LuisY disse...

Margarida.

Como concordo consigo.

Os noticiários duram uma hora e meia e na verdade o que tem para dizer só chega para 15 minutos. O resto é encher chouriços com notícias acerca do Cristiano Ronaldo, da mãe dele, dos crimes, dos comunicados de imprensa da treta dos departamentos de estado e das entrevistas de rua a perguntarem às pessoas se acham que agora chove menos que no passado.

A imposição das 40 horas na administração pública foi uma violência. Eu por exemplo sou bibliotecário e alguém consegue imaginar a ideia de catalogar livros 8 horas por dia? Já não estamos na revolução industrial, para se obrigar as pessoas a trabalhar uma enormidade de horas. As pessoas precisam de tempo para si e as suas famílias.

Bjos

Margarida Elias disse...

Luís - Concordo consigo. Nos telejornais chega-se ao ridículo e à não-notícia. As 40 horas de trabalho foram só para agradar aos dirigentes alemães e, em muitas profissões / serviços, são apenas absurdas.
Bjs!