quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Da arte e da escultura

Leopoldo de Almeida, Vencido da vida (1922, Museu do Chiado – Museu Nacional de Arte Contemporânea)
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Carta que Almada Negreiros escreveu ao escultor Leopoldo de Almeida:

«Entre os artistas portugueses, os escultores foram sempre os menos numerosos. Ainda que entre os poucos tivemos também dos melhores, deve haver uma causa nas condições da vida portuguesa que nos desfavoreça nas tentativas da escultura. Ignoro-a. Sei apenas que determinadas regiões favorecem o aparecimento de escultores. Porquê? Também o não sei. Não é apenas a presença da abundância ou qualidade de pedra que obriga um artista à escultura. Não me recordo de nenhum escultor da Itália que seja natural de Carrara. Deve ser, de verdade, mistério um artista ser escultor como já é um mistério um homem ser artista.
É nestas circunstâncias que me coloco, sempre, diante de uma obra de um artista: perplexo em face de um mistério. Um verdadeiro mistério, único. Há, muito mais, do que capricho ao encher uma tela, ao desbastar uma pedra, ao compor uma poesia; isto é, toda a consciência trás consigo muito mais inconsciência do que se nos afigura, e mais, creio que, quanta mais consciência, mais liberta se acha, em nós, uma acção que nos excede.
O caminho do artista é seguir-se. Transborda subjectivismo, persegue a objectividade. E esta objectividade é única também, é a que corresponde ao seu mistério humano.
Estar atento a si próprio, não é de maneira nenhuma uma forma de egoísmo, mas sim o processo para se comprometer o eu no livro-aberto da vida. Quem foi que ensinou a toda a gente, grandes e pequenos, a ter essa consideração cheia de simpatia por tudo aquilo que leva a sua vida pela arte? Como dizia Blaise Pascal: “J´aime surtout ceux qui cherchent en guêmissaut”.
O mal entendido entre escolas de arte não vem do sentido do mistério humano, mas de circunstâncias subalternas, porém actuantes e capazes de distrair cada qual de si-mesmo. Os caminhos da arte são tantos quantos se tentarem. Lutar pelo próprio é ideal. Pretender vencer ou vencer os outros é tudo morrer. O único que nunca houve foram caminhos medíocres.»
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In FCG – DM 149/20, Manuscrito, s.d.. Carta transcrita na tese de Doutoramento de Rita Mega da Fonseca, Vida e Obra do Escultor Leopoldo de Almeida (1898-1975), Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2011, p. 215.
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Gaetano-Cellini, L’Umanita contro il Male (1906-1908, Galleria Nazionale d'Arte Moderna, Itália)
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P.S. Um assunto que gostava um dia de investigar, ou ver investigado, é o das relações entre as artes do sul da Europa, nomeadamente (ou especificamente), da arte portuguesa e da arte italiana dos séculos XIX-XX. Acho que há mais proximidades do que se julga, mormente no caso dos artistas portugueses que passaram por Itália como Henrique Pousão e Leopoldo de Almeida. Parece-me que Leopoldo viu certamente esta escultura de Gaetano-Cellini e que ela o inspirou para o seu Vencido da Vida.

2 comentários:

ana disse...

Concordo com a sua visão, Margarida.
Os escultores portugueses passaram por Itália, Não é verdade?

Quanto à carta de Almada, adorei lê-la. É um artista que admiro pela sua irreverência, pela sua arte.

Margarida Elias disse...

Ana - Eu também gosto muito de Almada. Mais pelo lado intelectual, mas também como artista. Beijinhos!