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quinta-feira, 14 de abril de 2016

Elementos para a história da ecologia em Portugal (1852-1948)

D. Carlos, Os pinheiros ao pôr-do-sol, Vila Viçosa (1885, Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado)
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Falar de história da ecologia e da conservação da natureza implica falar da revolução industrial e agrícola. Por isso, ao referirmos a situação portuguesa não nos podemos esquecer que a industrialização demorou a implementar-se no nosso País (cf. Reis 1984). Nessa medida, a atitude dos nossos pintores e intelectuais no que respeita à natureza, à paisagem, à pintura de costumes, acaba por ter, necessariamente, um valor menos programático, ou político, do que poderia acontecer em países mais industrializados, como era o caso da França ou da Inglaterra, por exemplo.
Se entendermos no âmbito da ecologia a questão da defesa das florestas, importa notar que até 1852, devido à instabilidade política e à necessidade de fornecer mantimentos básicos à população, a «floresta não constituía (…) uma questão política: estava lá para ser usada, consumida, utilizada e mesmo destruída» (Melo 2003, 303). Porém, o Estado português preocupava-se com a gestão das matas nacionais e, depois de 1852, as florestas passaram a ser encaradas como factores necessários na prevenção de cheias e para evitar a erosão das margens dos rios. Nesse sentido, começaram a ser mais reguladas e protegidas.


Em 1868, o político e historiador José Silvestre Ribeiro (1807-1891), membro do conselho de Estado, inspirado nos resultados do Relatório da Arborização Geral do País, apresentou uma visão optimista do quadro da floresta em Portugal:
«Hoje porém, e com bem o digamos! Parece estar arreigado o amor do arvoredo, e o respeito pela conservação das formosas e benfazejas criaturas do reino Vegetal. Apreciável manifestação do progresso que o Povo Português tem feito no caminho da civilização!” (Melo 2010).
 (1870, Museu de José Malhoa)

Só em 1886, foi criada a Direcção Geral das Florestas e, em 1901, com a concepção da figura do regime florestal, a legislação sobre florestas e águas passou a cobrir todo o território nacional – e não só as matas nacionais (Melo 2003, 303-304).
Acrescente-se que, em 1880, Alves Branco Júnior, numa sessão da Câmara Municipal de Lisboa, alegava que, no planeamento das cidades, eram «indispensáveis bôas praças espaçosas, largos e grandes jardins, que eram como outros tantos pulmões por onde respira esta população.» (Livro de Actas da Câmara Municipal de Lisboa, 1880, 175)


Os primeiros contributos para a ecologia científica vieram de algumas sociedades criadas no século XIX, tais como a Sociedade de Geografia de Lisboa e a Sociedade Portuguesa das Ciências Naturais (1907), nomeadamente com o «desenvolvimento dos estudos científicos na área das ciências naturais» e consequente aumento de «uma sensibilidade para a necessidade de proteger a natureza.» (Vaz 2000, 39)
Em 1941 organizou-se o I.º Congresso Nacional das Ciências Naturais, em Lisboa, e, no ano de 1947, o poeta Sebastião da Gama (1924-1952) endereçou um pedido de “socorro” em forma de carta, dirigido ao engenheiro Miguel Neves da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas, pedindo para salvar a região da Serra da Arrábida (Vaz 2000, 50). No ano seguinte, 1948, foi criada a Liga para a Protecção da Natureza. Poder-se-á dizer que só então a consciência ecológica começava a ter realmente uma palavra a dizer na política ambiental portuguesa.
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Bibliografia:
Arquivo Municipal de Lisboa, Livro de Actas da Câmara Municipal de Lisboa, n.º 62, sessão 17, 7/6/1880.
Melo, Maria Cristina Joanaz de. 2003. «Recursos naturais no século XIX em Portugal. Da Inexistênciado conceito à divisão da agricultura em sectores: a construção de uma política sobre água e floresta em Portugal, entre 1834 e 1910». In José Portela e João Castro Caldas (orgs.), Portugal Chão. Oeiras: Celta Editora, 301-222.
Melo, Maria Cristina Dias Joanaz de. 2010. «Reflexão acerca da existência ou não, de uma política sobre água e floresta em Portugal, entre 1834 e 1910». In 1º Congresso de Estudos Rurais - Ambiente e Usos do Território.
Reis, Jaime. 1984. «O atraso económico português em perspectiva histórica (1860-1913)». In Análise Social. vol. XX, 80: 7-28.
Vaz, Iria de Fátima Rodrigues Amado. 2000. As origens do ambientalismo em Portugal: a liga para a protecção da natureza 1948-1974. Tese de Mestrado, Universidade Nova de Lisboa.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Ecologia e Ambiente

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Jean-Paul Deléage afirmou que a ecologia começou «formalmente, em 1866, com a invenção do termo por Ernst Haeckel», sendo interpretada como «a ciência da totalidade das relações do organismo com o ambiente» (Deléage 1993, 13). 
Etimologicamente, a palavra “ecologia” vem do grego oikos, que tem o significado de “casa” e “habitat”. Em termos filosóficos, a ecologia é uma «teoria ou doutrina que tem como objectivo uma melhor adaptação do Homem ao seu ambiente natural» (Clément et al. 1999, 109). 
Coloca-se então a questão sobre qual a diferença entre ecologia e ambiente. No livro Ecologia e ambiente (1993), de João Joanaz de Melo e Carlos Pimenta, foi afirmado que: 
«a ecologia é uma disciplina científica, um ramo das ciências da vida, enquanto o ambiente pode ser definido como o conjunto dos sistemas físicos, ecológicos, económicos e socioculturais com efeito directo ou indirecto sobre a qualidade de vida do Homem». (Teixeira 2011, 29) 
Os mesmos autores também referem que «existe uma ideologia, o ecologismo, que defende um estilo de sociedade no qual é dada uma importância crucial ao equilíbrio ecológico.» (Teixeira 2011, 29) 
Em 1992, Luc Ferry afirmou que existem duas doutrinas ecológicas: os fundamentalistas (ecologistas), para quem a Natureza tem um valor intrínseco e independente dos seres humanos; e os ambientalistas, para quem a Natureza deve ser protegida na medida em que é necessária à vida humana (Clément et al. 1999, 109). Estas definições são partilhadas por Andrew Dobson (1995), que separa o ambientalismo, mais antropocêntrico, do ecologismo, mais biocêntrico.

Samuel Hieronymus Grimm (ilustração) in Gilbert White, Natural History of Selborne (1789, ed. 1813).


A ecologia está relacionada com o desenvolvimento das ciências naturais, sobretudo da botânica e da zoologia, bem como da criação da noção de “ecossistema” (cf. Deléage 1993). Jean-Paul Deléage, na sua história da ecologia afirma: «O século XVIII, sobretudo no seu final, marca o apogeu dum manifesto interesse pela natureza, pois, se bem que a ligação a Deus não esteja ainda rompida, a pouco e pouco a natureza torna-se objecto apenas da ciência.» (Deléage 1993, 34) Tal como afirmou Jorge Calado, foi então que o homem encontrou a Natureza: «Ela é, a um tempo, o novo deus e o novo interlocutor. Cientistas e artistas passam a observá-la e a investigá-la de modo sistemático. Cultiva-se um novo comportamento e constrói-se uma nova ética» (Henriques, Castro 1993, 31). Trata-se de uma pré-ecologia, que Iria Vaz apelidou de “ecologia arcadiana”, e que foi representada, na segunda metade do século XVIII, por Gilbert White (1720-1793), um pastor protestante da aldeia inglesa de Selborne, autor de Natural History of Selborne, publicado em 1789. Iria Vaz liga a história do ambientalismo à história da conservação da natureza, pois afirma que o ambientalismo começou com os movimentos de conservação iniciados em meados do séc. XIX, na América do Norte, que precederam o actual movimento ambientalista (Vaz 2000, 14-15).

Casa de William Wordsworth, Rydal Mount (c. 1897)


Como é referido na frase supracitada de Jorge Calado, não foram somente os cientistas, mas também os artistas e outros intelectuais que passaram a encarar a natureza com outro respeito e atenção. A cultura do Romantismo ajudou a difundir a afeição pelo mundo natural, opondo-se aos excessos da industrialização. Conta-se que o poeta romântico William Wordsworth (1770-1850) apreciava fazer longas deambulações a pé. Henry David Thoreau (1817-1862), que era naturalista e poeta, afirmou, em 1851, no livro Birds of America: «A grande natureza preservará o mundo.» (Vaz, 2000, 18-19 e 38). 
Ao longo do século XIX, com o crescente progresso da ciência, a natureza ganhou maior impacto na cultura vigente. Auguste Comte (1798-1857), pai do Positivismo, no Curso de Filosofia Positiva, referiu-se à necessidade de harmonia entre os seres vivos e o seu meio. Em 1854, foi criada em França a Societé de Aclimation (actual Societé Nationale de Protection de la Nature). A primeira sociedade de ecologia, a British Ecological Society, foi fundada em Londres no ano de 1913, ano em que se deu o primeiro Congresso Internacional de Protecção da Natureza (Basileia, Suiça). Contudo, segundo Donald Worster, a «idade da ecologia» só teve início em 1942. Foi com o incremento da industrialização que o tema se tornou mais debatido. Durante bastante tempo, o «aparente sucesso» da industrialização, aliada a uma melhoria das condições de vida das populações nos países desenvolvidos, fizeram crer, para a maioria das pessoas, que o caminho da modernização era o mais racional – o que colocava aqueles que se opunham a esse progresso num papel de nostálgicos defensores de um «Éden pré-industrial que nunca existiu» (Teixeira 2011, 29).
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Bibliografia:
Clément, Élisabeth, Demonque, Chantal, Hansel-Love, Laurence, Kahn, Pierre. 1999. Dicionário Prático de Filosofia. Lisboa: Terramar.
Deléage, Jean-Paul. 1993. História da Ecologia, Uma Ciência do Homem e da Natureza. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
Henriques, Ana de Castro, Castro, Catarina Maia e (coord.). 1993. Silva Porto 1850-1893: exposição comemorativa do centenário da sua morte. Lisboa: I.P.M..
Teixeira, Luís Humberto. 2011. Verdes anos: História do Ecologismo em Portugal, 1947-2011. Lisboa: Esfera do Caos.
Vaz, Iria de Fátima Rodrigues Amado. 2000. As origens do ambientalismo em Portugal: a liga para a protecção da natureza 1948-1974. Tese de Mestrado, Universidade Nova de Lisboa.