Mostrar mensagens com a etiqueta Tzvetan Todorov. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Tzvetan Todorov. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

A Pintura de Género - Algumas ideias

A expressão "pintura de género", designa a representação pictórica de cenas da vida quotidiana, cujos personagens são pessoas anónimas. Até ao séc. XVIII, o termo integrava as categorias que eram consideradas como menores da arte (les genres), mas, em 1791, Quatremère de Quincy usou a designação para descrever cenas domésticas, o que acabou por se estabelecer. Esta categoria pictural coloca em jogo a noção de realismo, que não se resume apenas à representação objectiva da realidade. O quadro de género, pelo menos antes do séc. XIX, escondia frequentemente significados alegóricos, morais ou religiosos, relacionáveis com o contexto da sua produção.

Pieter Bruegel, O Velho, The peasent dance (c. 1568,  Kunsthistorisches Museum, Viena - Link)

Reportando-nos a Arte Ocidental, o tema surgiu na Antiguidade, mas creio que a sua génese está principalmente na obra dos primitivos flamengos, nomeadamente nos quadros de Bruegel, o Velho, de conteúdo moralizante.


Pieter de Hooch, La Buveuse (1658, Museu do Louvre - Link)

A história da pintura de género é muito semelhante à da natureza morta, sendo também a partir de meados do séc. XVI, mas sobretudo no séc. XVII e nos Países Baixos, que se começou a desenvolver nos moldes actuais. Apesar de ter tido grande fulgor na Holanda, cedo a sua prática chegou a outros países, como, por exemplo, a França, a Espanha, a Itália e, já no séc. XVIII, a Inglaterra. De facto, em pouco tempo, esta temática ganhou domínio em toda a Europa, apesar de, segundo a hierarquia dos géneros académica, não ser muito considerada, estando próxima da cotação da paisagem e da natureza morta.

Jean-Baptiste Greuze, L'Oiseleur (1757, Muzeum Narodowe, Varsóvia - Link)

No séc. XIX, as fronteiras entre a pintura de género e a de história começaram a tornar-se cada vez mais esbatidas. Com a maior liberdade originada pelo fim das Academias e com o apelo dos artistas e intelectuais para que as pintores dessem maior importância à vida do seu tempo - a representação do quotidiano tornou-se comum na arte. Há outros factores a considerar, como, por exemplo, a redescoberta histórica da pintura holandesa do séc. XVII que, entretanto fora quase esquecida. Ou a influência da pintura não ocidental, nomeadamente das estampas japonesas.

Keisai Eisen, Contest of Beauties: A Geisha from the Eastern Capital (1818-1830 - Link)

Pierre Auguste Renoir, Jeune fille coiffant ses cheveux (1894, Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque - Link)

Desde oitocentos que a representação de cenas do quotidiano com pessoas anónimas foi adoptada por artistas de diversos países, com várias formas de expressão e diferentes pesquisas.

Edward Hopper, Girl at a Sewing Machine (c. 1921, Museu Thyssen-Bornemisza, Madrid - Link)

Tzvetan Todorov (em 1993) notava que a pintura do quotidiano, nos séculos XIX e XX, ligada à pintura realista, «continue d’affirmer la beauté de ce qu’elle montre; mais c’est souvent une beauté de l’accablement, du désespoir, de la détresse: ce sont dês fleurs du mal (…)». Isto é, o pintor de oitocentos passava a interpretar o tema de quotidiano e da natureza morta na sua ligação ao intimismo e à melancolia. Por outro lado, a pintura, mesmo a figurativa, deixava de ser uma representação para se tornar numa apresentação. O anedótico era rejeitado; os temas do quotidiano e a representação de objectos passavam ser vistos como um pretexto para a exploração de valores puramente pictóricos. Para finalizar, note-se que Todorov também distinguia a pintura de género do retrato: «tableau de genre et portrait se distinguent par l’intention dont ils son animes; seulement, cette difference n’est plus pragmatique ou thématique, elle est, pourait-on dire, philosophique. (…) La difference (…) dans le tableau de genre, l’être représenté est au service de l’action qu’il accomplit ou de la situation dans laquelle il est pris; dans le portrait, à l’inverse, c’est la situation qui est au service de l’être. (...)».
---
Cf.
Helen Langdon, «Genre», in The Dictionnary of Art, Vol. XII, Macmillan Publishers Limited, 1996, pp. 286-298.
Tzvetan Todorov, Éloge du quotidien. Essai sur la peinture hollandaise du XVII.e siècle, Paris, Adam Biro, 1993.
«Peinture de genre», in Encyclopaedia Universalis
«Peinture de genre», in Larousse
«Scène de genre», in Wikipedia

sábado, 27 de abril de 2013

Realismo e Naturalismo II

Pier Francesco Cittadini, Ghirlanda di fiori (Pinacoteca Nazionale di Bologna - Pittori Italiani - Italian Painters)
---
Nas pesquisas que realizei acerca do Realismo e do Naturalismo, tive oportunidade de notar alguns aspectos que vou agora evocar. Em termos históricos, o aparecimento do Realismo ocorreu em França após as lutas sociais e políticas da Revolução de 1848, com o consequente desenvolvimento das várias tendências do Socialismo, que culminaram na Comuna de Paris. O propósito do realismo era construir uma «representação verídica, objectiva e imparcial do mundo real, baseada numa observação meticulosa da vida do momento». O exemplo paradigmático desta corrente estética encontrava-se na pintura de Gustave Courbet, bem como nas teorias de Pierre-Joseph Proudhon. Em 1865 foi publicado o livro Du Principe de l’ Art et de sa Destination Sociale, onde Proudhon expôs o seu pensamento estético, dando como modelo a obra do pintor Courbet. Em comunhão com estas ideias, no programa das Conferências do Casino, organizadas por Antero de Quental, afirmava-se que não «pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também ser o assunto das nossas constantes meditações». A conferência de Eça de Queirós, sob o tema «Realismo como Nova Expressão da Arte», defendia a integração da arte na vida moderna e expunha o caso da obra de Courbet como protótipo para a arte actual. Eça apresentava a proposta de uma renovação literária, pela «arte moral», experimental e racional, em suma, pelo «Realismo na arte». Em 1878, numa carta, explicava: «O que queremos nós com o Realismo? Fazer o quadro do mundo moderno, nas feições em que ele é mau (...), queremos fazer a fotografia, ia quase dizer a caricatura, do velho mundo burguês, devoto, católico, explorador, aristocrático, etc.; e apontando-o ao escárnio, à gargalhada, ao desprezo do mundo moderno e democrático – preparar a sua ruína». Ao escrever o manuscrito da Tragédia da Rua das Flores (1878), Eça concebeu um pintor, que afirmava que a arte «devia educar pela representação das acções justas». A arte deveria «ser essencialmente revolucionária. Um quadro deve ser um livro; deve ser um panfleto; deve ser um artigo de jornal». O processo da pintura não deveria ser acabado, estudado, ou amaneirado. «A pintura não é nada – a ideia é tudo. Traços largos, sombras indicadas, tons sóbrios, que dêem a impressão exacta da realidade». Para Ramalho Ortigão,em 1875, a arte era uma interpretação «da natureza feita, como diz Proudhon, em vista do nosso aperfeiçoamento intelectual e moral». A missão da arte era crítica, não já uma crítica que nega, mas sim uma crítica que sistematiza. 
Um aspecto que tem sido notado em investigações recentes é que o realismo na arte deveu bastante à descoberta da pintura espanhola do século XVII, por parte dos artistas e historiadores. A liberdade dessa pintura, que tratava assuntos humildes e valorizava a cor mais do que o desenho, atraiu tanto os artistas românticos como os realistas. Tal como notou Lucília Verdelho da Costa, a «escola espanhola foi uma fonte de anticlassicismo que veio responder às aspirações da jovem pintura, que rejeitava o Belo ideal herdado de Rafael e a dramaturgia, o colorido e o dinamismo das composições românticas. (…) Courbet foi o primeiro a assumir a ruptura, ao introduzir, a par do realismo da representação, a técnica da pintura de Velásquez». 
Por outro lado, o realismo também estava associado à pintura holandesa, na medida em que esta reproduzia preferencialmente cenas da realidade quotidiana. No entanto, hoje devemos ter em consideração que o realismo holandês de seiscentos era um realismo aparente, pois as pinturas desse tempo celebravam as virtudes domésticas, sobretudo desempenhadas por mulheres, em espaços interiores. Apesar desse lado simbólico, como notou Tzevetan Todorov, nessas obras dava-se importância à realidade mais humilde e toda a representação pictural de um ser ou de um objecto significa que ele é digno de ser representado, que merece sobreviver ao instante da sua aparição: «a pintura é, intrisecamente, elogio do que é pintado». Todorov afiançava que através da representação do quotidiano, o pintor constatava que a beleza poderia estar nos objectos insignificantes e nos gestos comuns. Deste modo, descobria que «pela graça dos pincéis, ele pode mostrar que os objectos são dignos de uma admiração não somente ética mas estética». O mesmo historiador advertia ainda que a pintura do quotidiano, nos séculos XIX e XX, ligada ao realismo, continuava a «afirmar a beleza do que mostra; mas é muitas vezes uma beleza de abatimento, de desespero, de angústia; são as flores do mal (…)».
No que respeita ao Naturalismo, há outras questões que devem ser mencionadas. Para a pintura do século XVII, o naturalismo implicava o interesse pelas coisas naturais, a vontade de «imitare bene le cose naturali» - como foi verbalizado por Caravaggio. Por sua vez, o naturalismo do século XIX tem raízes no Positivismo e corresponde à crença filosófica de que o homem é uma criatura determinada pelas leis físicas e que pode ser assunto para investigação científica. Nesse sentido, o Naturalismo pretendia estudar os comportamentos, tendo como paradigma, em termos literários, os textos de Zola. Na pintura, ficou associado a John Constable, à Escola de Barbizon e ao gosto pela reprodução da natureza, o que se reflectiu sobretudo no interesse pela pintura de paisagem. 
Cerca de 1880, em Paris, entrou em voga na pintura um tipo de naturalismo, que herdava as aprendizagens da escola de Barbizon e do realismo, cruzadas com as descobertas do impressionismo e equilibradas pelo academismo, o qual tinha o seu expoente máximo na obra de Bastien-Lepage. Zola considerava que os naturalistas da década de 80 eram devedores do Impressionismo, que corrigiam de modo a ficar mais próximo do gosto do grande público. Uma das conquistas do Impressionismo, como notou Zola, foi o afastamento das tonalidades escuras e betuminosas: «peu à peu, on a vu les Salons s’éclaircir”. 
Nos textos do século XIX, os termos Realismo e Naturalismo confundiam-se, empregando-se indistintamente como sinónimo de representação fiel da realidade. Maria João Ortigão de Oliveira propôs que, atendendo «à fluidez e indefinição dos critérios esclarecedores», se considerasse «o naturalismo como herdeiro natural cronológica e historicamente do realismo». Contudo, não podemos esquecer que, em oitocentos, o Realismo e o Naturalismo distinguiam-se nos temas e na maneira de encarar a realidade. Enquanto o realismo adoptava uma conotação mais ideológica e crítica, o naturalismo tinha um carácter mais científico e atento aos valores da natureza:
«(…) há que referir também que a reivindicação do amor pelo campo, através de paisagens e gentes identificáveis, foi, no século XIX uma espécie de anti-cultura que se opunha ao crescimento imparável das cidades, com o seu cortejo de novas chagas sociais. Aquilo que, durante grande parte do século XX, foi considerado uma prática nostálgica e conservadora (porque se entendia que era nas cidades que o progresso se encontrava) pode hoje ser valorizado como uma ecologia, crítica da pujante economia capitalista para a qual a vida camponesa, bem como os seus valores, deveriam ser submetidos às exigências do mercado» (Raquel Henriques da Silva).
Ramalho Ortigão, um fervoroso adepto do naturalismo, dizia, em 1875, que a paisagem era «o género mais especialmente moderno». O pintor d’ «A Tragédia da Rua das Flores» afirmava: «O homem moderno vive longe da natureza, pela necessidade de profissão: uma arte que lhe reduz a natureza, que lha torna portátil, que lha introduz na sala de jantar, na alcova, interpretada, escolhida, - faz ao homem o maior serviço – pô-lo em comunicação permanente com a natureza. E a natureza é tudo: calma, consola, eleva, repousa e vivifica». 
No âmbito do Naturalismo, devemos ainda incluir a pintura de costumes populares, sendo em grande medida um assunto herdado do Romantismo. No contexto da valorização do mundo rural, Almeida Garrett afirmou: «Nenhuma coisa pode ser nacional se não é popular». Fora de Portugal, o tema foi desenvolvido pelos realistas e naturalistas, na medida em que a fórmula de Courbet «il faut être de son temps», também se aplicava a ser do seu lugar: consagrar-se ao seu país natal e à sua região, com o fim de captar os seus aspectos mais verdadeiros e singulares.
---
Bibliografia:
Pierre-Joseph PROUDHON, 1865, Du Principe de l'Art et de sa Destination Sociale.
Diário de Notícias, 15/6/1871.
Antero de QUENTAL, Causas da Decadência dos Povos Peninsulares.
As Farpas, Nov. 1871.
Ramalho ORTIGÃO, 1875, «O chic e os seus desastres».
Ramalho ORTIGÃO, 1875, «A restauração da arte portuguesa entregue pelo Govêrno aos cuidados de uma comissão».
Eça de QUEIRÓS, A Tragédia da Rua das Flores.
Émile ZOLA, 1880, «Le naturalisme au Salon».
Émile ZOLA, 1884, «Expositions des oeuvres d’Édouard Manet».
João MEDINA, 1980, Eça de Queiroz e a Geração de 70.
Maria João Ortigão de OLIVEIRA, 1988, O Pensamento Estético de Ramalho Ortigão.
Linda NOCHLIN, 1989, Les politiques de la vision.
Linda NOCHLIN, 1991, El Realismo.
Vítor SERRÃO, 1992, A Pintura Proto-Barroca em Portugal (1612-1657).
Tzvetan TODOROV, 1993, Éloge du quotidien. Essai sur la peinture hollandaise du XVII.e siècle.
Elisa Ribeiro SOARES, 1999, «O Romantismo e a Pintura Portuguesa».
A.A.V.V., 2002, Manet Velásquez. La manière espagnole au XIXe siècle.
Lucília Verdelho da COSTA, 2008, «Modernidade e Academismo. França, Espanha e Portugal: diálogos cruzados», in O Retrato, FCSH-UNL.
Raquel Henriques da SILVA, 2010, «Silva Porto e a pintura naturalista», in Catálogo do Museu do Chiado – século XIX.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Mulheres vistas de costas I

Aqui se apresentam mais senhoras vistas de costas, todas do século XVII. De Gerard ter Borch (1617-1681) fica uma Woman at a Mirror.

 .
O outro exemplo é o Perfume de Francesco Furini (1603-1646).

O enigma da mulher vista de costas, sem rosto, é no primeiro caso contrabalançado pelo facto de se ver o seu rosto reflectido no espelho, o que também acontece na Vénus ao espelho (The toilet of Venus) de Velásquez (1599-1660), pertencente à National Gallery de Londres.

Nesse sentido, estas imagens (incluindo o Perfume) estão conectadas com a vaidade feminina.
No entanto, o quadro de Velázquez levanta-me outra questão: enquanto a pintura de nu explorou a forma sensual da mulher vista de costas, a pintura holandesa vestiu a mulher, retratando-a no seu quotidiano. Na primeira pintura, de Ter Borch, vemos a senhora no espelho, mas noutros exemplos, do mesmo artista, ela apenas esconde o rosto do espectador, como por exemplo em The Concert (Staatliche Museen, Berlinm).


Na realidade, estas mulheres vestidas também mostram sensualidade pela maneira como expõem o pescoço e os ombros ao olhar do espectador. Esta tipologia, da mulher vista de costas, vestida e numa situação quotidiana (mais ou menos recatada), terá sido aquela que foi seguida pelos pintores do século XIX, provavelmente quando a pintura holandesa do século XVII começou a ser alvo de atenção dos artistas, críticos e historiadores de arte. No entanto, para os pintores do século XIX, estas figuras femininas, muitas vezes isoladas, figuradas em espaços fechados e sombrios, são uma imagem melancólica, sobretudo se pensarmos nas obras de Vihelm Hammershoi (1864-1916). Tal como escreveu Tzvetan Todorov (1993): «(…) La peinture realiste, comme toute peinture représentative, continue d’affirmer la beauté de ce qu’elle montre; mais c’est souvent une beauté de l’accablement, du désespoir, de la détresse: ce sont dês fleurs du mal (…)».

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Quotidiano I


Francisco Oller y Cestero, El estudiante (1874, Old Paint blog)
---
«Toute représentation picturale d’un être ou d’un object signifie aussi qu’ils sont dignes d’êtres représentés, qu’ils méritent de retenir l’attention, de survivre à l’instant de leur apparition. La peinture est, intrisèquement, éloge de ce qui est peint (…)».
---
Tzvetan Todorov (1993).