Uma coisa inteiramente especial e digna de estudo é o aspecto das numerosas diligências, breaks e chars-á-bancs, que circulam sôbre estas estradas, desde os Arcos e desde Ponte-de-Lima até Viena.
Dois pequenos garranos, quando não é um só, puxam por cima do macadam faïscante de sol as mais fantásticas carradas de gente e de objectos que a imaginação pode conceber. Dentro do veículo senta-se a primeira camada de passageiros nas bancadas. Depois de todos os lugares ocupados estreitissimamente, à cunha, o veículo considera-se completamente vazio, e mete-se-lhe a segunda camada de pasageiros, colocada exactamente em cima da primeira. Feita esta operação começa o interior do carro a achar-se quási cheio, mas não cheio de todo, porque entre o teto, os joelhos e os bustos dos passageiros da segunda camada, nota-se ainda um espaço oblongo a tôda a extensão da berlinda, desde a portinhola do fundo até o vidro da frente. Preenchido êste espaço com um passageiro estendido ao comprido, passa-se a ocupar os bancos da imperial e o tejadilho.
Fora, em vez de irem empilhados como no interior, os passageiros são ensanduïchados metódicamente com as bagagens e com as mercadorias, pela ordem seguinte: camada de mercadorias, primeira camada de passageiros, primeira camada de bagagens, segunda camada de passageiros, segunda camada de bagagens; e em cima de tudo isto o penso para o os garranos, os merendeiros e os varapaus dos passageiros, e no ar, a um lado, seguro da almofada pela cinta, seguro do guarda-lama pelas pernas, o cocheiro levado a braços pelos viajadores.
Para que olha de longe, a carruagem desaparece completamente sob a enorme massa viva e não se vê mais que um enorme e inverosímil cacho de gente agarrada uma à outra por um engaço misterioso, bamboleando ao sol, oscilando da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, e prosseguindo lentamente, levado por duas formigas.
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Texto de Ramalho Ortigão, 1885.
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