A Avozinha
Ilustração de Mário Costa (in O Senhor Doutor, 18 de Maio de 1935).
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«Era à tardinha. Na sala confortável e acolhedora, a essa
hora ainda cheia de sol que a jorros entrava pela grande janela aberta e
dourava os altos eucaliptos do jardim, a atmosfera era dôce e alegre.
Uma aragem de felicidade parecia purificar todos os pulmões
que respiravam aquela serenidade e espalhava-se nos rostos juvenis de três
senhoras, que costuravam, conversando, perto da janela.
Um grupo de crianças ria, escutando atentamente as
peripécias de um conto, que uma voz extremamente doce e quente lhes contava, em
coloridas frases.
Junto da mesa de mogno pulido, nas mãos habilidosas e
brancas uma renda de crochet, a figura linda, suave, bela, duma senhora idosa,
sobressaía entre as suas cabeças curiosas que seguiam atentamente as expressões
do seu rosto, bondoso e meigo.
Era a avózinha.
Que doçura, que meiguice nesta palavra santa!
Lembra cousas tão belas, tão agradáveis; ternos carinhos;
brinquedos pelo Natal; mimos e festas a tôda a hora! Não é verdade, meus
amiguinhos, que é assim a vossa avozinha?
Pois aquela avòzinha era assim. Cabelos prateados e finos,
enquadrando um rosto lindo como um dia suave e puro de primavera. E os netos
adoravam-na! Pudera! Se ela era tão, tão boa!
Junto dela, Lídia, a mais velha, bordava em silêncio,
sorrindo-lhe ternamente; e a Maria Elena encostava a cabecita no seu ombro,
enquanto com as mãos trigueiras ameigava a mão branca da avó! Fernando e
Rogério sentavam-se fraternalmente na mesma cadeira, enquanto Vasco e Rui, dois
homens já, a escutavam um pouco mais afastados mas atentos.
A voz dôce ia narrando as aventuras dum príncipe e duma
fada, e na imaginação dos netos parecia que tomavam forma e côr aqueles heróis
de sonho. Lena levantara-se de mansinho e aproximando-se de Fernando foi
sentar-se ao seu lado.
- Como eu gostava de ser uma avòzinha! – murmurava em voz
baixa.
- Para quê! – perguntou êle, admirado – As avòzinhas não
brincam e tu és tão brincalhona!
- Ah! Mas sabem aquelas histórias tão bonitas e são boas,
boas como a nossa avòzinha! Deve ser tão bom! – exclamou, pondo as mãozinhas
trigueiras.
- Ah! Sim, isso é verdade ... A nossa avó é a mais linda e
melhor do mundo!
Entretanto a voz dôce calara-se, acabado o conto de fadas.
(...)»
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