João Pedro Vale,
20$ (
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Para mim, a arte tem uma grande componente de criatividade. Esta é certamente uma verdade para a arte actual, mas creio que também era para a arte do passado.
A execução tem ainda relevância, mas tornou-se menos relevante sobretudo desde a Revolução Industrial. As máquinas são boas "executantes", por isso, com o avanço da técnica, tornou-se mais importante o pensamento de quem concebe o objecto. Em contrapartida, as ideias, mesmo as melhores, se não tiverem execução ou se forem mal executadas, não servem de grande coisa.
Two Makes the Difference (
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A arte não tem necessariamente de ser bela e mesmo que a solução estética não seja bela, isso não invalida o processo criativo. O processo criativo tem é de corresponder à aspiração do artista que concebe a obra. A beleza, por si só, até pode ser aborrecida, se não tiver qualquer conteúdo. E, por outro lado, a reprodução excessiva de obras de arte, mesmo as mais belas, acaba por torná-las banais.
Mitsuhiro Okamoto,
BATTA mon LV (
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No que respeita às réplicas, a criatividade estará necessariamente na peça original - por isso tem maior valor. No entanto, não creio que haja algum impedimento, mesmo nos dias de hoje, em que o artista se inspire na arte do passado e adopte soluções estéticas do passado. Contudo, esse artista poderá arriscar-se a ser desvalorizado pela crítica. Mas, se essas soluções corresponderem ao seu "credo", então são legítimas, pelo menos para ele. Julgo que se a inovação é cada vez mais requerida aos artistas, a obrigação actual de estar em permanente inovação também pode tornar-se cansativa.
Maggie Stiefvater,
Portrait of the Artist as a Young Cat (
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Tudo é legítimo em arte? Em teoria sim, mas não se pode assumir que as pessoas são obrigadas a aceitar as propostas dos artistas só porque são inovadoras. As formas de expressão humana são múltiplas. Nada obriga um artista a expressar-se pelos meios tradicionais das Belas Artes. Parece-me igualmente que não devemos ser obrigados a seguir um canône erudito - quer como criadores, quer como espectadores. Temos é que, como já dizia Ramalho Ortigão (em1884)*, de ser sinceros com nós próprios. Se, não devemos aceitar tudo sem questionar, julgo que podemos ter alguma ingenuidade e capacidade de nos maravilharmos. A ingenuidade pode ser uma excelente lufada de ar fresco. O imaginário infantil é, na minha opinião, uma boa fonte de criatividade. Para as crianças tudo é novidade, tudo pode ser verdade, o que permite a quem trabalha com elas entrar em mundos verdadeiramente extraordinários. Por fim, os mundos do "faz de conta" são cada vez mais explorados mesmo em trabalhos para os adultos, como, por exemplo, na ficção científica e no fantástico.
Julgo que vivemos tempos eclécticos e vão surgindo novidades, nomeadamente devido ao avanço da ciência, porque as máquinas e os novos materiais (por exemplo os plásticos e outros derivados de petróleo) permitem criações totalmente novas. Contudo, mesmo na cultura do passado e na cultura tradicional (ou popular) podem encontrar-se espaços de inovação - como é o caso da environmental art, por exemplo. A partir do passado podem abrir-se caminhos novos.
Foi a criatividade que permitiu ao Homem adaptar-se à realidade ambiente e o tornou superior (intelectualmente) aos outros animais. Sem criatividade (aí incluindo a arte e a ciência, a imaginação e a tecnologia), a sociedade humana actual não existiria - nem para o bem, nem para o mal. Sem criatividade não existiriam obras de arte, nem casas, nem cinema, nem televisão, nem medicina, nem água canalizada, nem electricidade, nem vestuário, ... nem sequer o domínio do fogo. Mas também não existiriam problemas ecológicos, nem bombas atómicas. Será certamente com criatividade que resolveremos os problemas que nós próprios criámos. Creio (e espero) firmemente nisso. Mas a criatividade deverá estar aliada à sensibilidade de modo a criar algo realmente humano e belo, que pode proporcionar uma sociedade melhor. penso que a arte poderá ter um papel importante neste campo.
* De acordo com o que Ramalho Ortigão escreveu nas Farpas, em 1884, sob o pseudónimo de «Simplício Feijão», a escolha do assunto passava a ser livre e o artista só deveria ter como regras, para além da lealdade à natureza, a fidelidade à sua «própria comoção, ser exacto e ser sincero». Cf. Ramalho Ortigão, (1884) 1943, «Ao Sr. António Calmels, sob o pseudónimo de Simplício Feijão», in Ramalho Ortigão, 1943, As Farpas, Lisboa, Livraria Clássica Editora, vol. II, pp. 266-270.