sábado, 25 de fevereiro de 2012

Pintura e sobriedade

Columbano Bordalo Pinheiro, Retrato de Senhora (1884).
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«In painting as in eloquence, the greater your strength, the quieter your manner». 
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John Ruskin (1860).

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Olhos de Sol

Vaso Calcolítico de Los Milares (Almeria).
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Um dos assuntos que me tem interessado ultimamente é o dos artefactos votivos do Calcolítico. Estes artefactos são de variado tipo, ligados ao culto de divindades pré-históricas, na maioria das vezes associados ao espólio de sepulturas, como em Los Millares. Um dos símbolos que se encontra geralmente inscrito nestes artefactos, é o dos olhos solares: olhos que são círculos radiados, assemelhando-se por isso a símbolos solares. Surgem em taças, placas de xisto, ídolos e outros artefactos, ou mesmo em menires, estando talvez ligados ao antigo culto da Deusa Mãe. Seja qual for a divindade exacta a que estavam conectados, teriam certamente um carácter protector.
Outro aspecto que acho de valorizar é a maneira como através de uma tão grande economia de meios se pode transmitir tanta beleza e tanto significado. Na verdade, podemos fazer outras considerações: primeiro, que as formas mais simples podem ser carregadas de simbolismo; segundo, que a simplicidade associada à transmissão de ideias é recorrente na História da Arte e não é exclusiva da arte primitiva - veja-se, por exemplo, a arte românica; terceiro, que é certamente por se terem apercebido da beleza que se pode encontrar em formas abstractas e simples, dentro de um discurso mais conceptual do que descritivo, que a arte contemporânea (desde o início do século XX) revalorizou a arte primitiva. E, aliás, existem linguagens contemporâneas de vanguarda que estão relacionadas com a espiritualidade e o pensamento esotérico. Como afirmou Charles F. Kettering: «Inventing is the mixing of brains and materials. The more brains you use, the less materials you need».

Placa de xisto (Lapa do Bujo)
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Ídolo de Extremadura (Museu Arqueológico Nacional, Madrid)
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Sobre o Cuenco de Los Millares, cf. Pilar Pardo (2006).

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Retrato I

William Merritt Chase, Japanese print (c.1888)
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«Une œuvre d’art est toujours par quelque côté un portrait, et dans ce portrait, en y regardant bien, nous reconnaissons quelque chose de nous. »
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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Resta essa faculdade incoercível de sonhar...

Martin Hertel, Beach Forrest, Germany (2011).
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O Haver
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Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.
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Vinicius de Moraes (1962).
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Obrigada Sandra!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

«Sapere Aude»

Kandinsky, Gentle ascent (1934, The Solomon R. Guggebheim Museum).
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«Enlightenment is man’s leaving his self-caused immaturity. Immaturity is the incapacity to use one's intelligence without the guidance of another. Such immaturity is self-caused if it is not caused by lack of intelligence, but by lack of determination and courage to use one's intelligence without being guided by another. Sapere Aude! Have the courage to use your own intelligence! Is therefore the motto of the enlightenment».
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Kant.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Júlio Maria dos Reis Pereira

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Todos os Dias
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Todos os dias
nascem pequeninas nuvens,
róseas umas,
aniladas outras,
nacaradas espumas...

Todos os dias
nascem rosas,
também róseas
ou cor de chá, de veludo...

Todos os dias
nascem violetas,
as eleitas
dos pobres corações...

Todos os dias
nascem risos, canções...

Todos os dias
os pássaros acordam
nos seus ninhos de lãs...

Todos os dias
nascem novos dias,
nascem novas manhãs...
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Saúl Dias, in Essência (1973).
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Sempre tive uma certa admiração por pessoas versáteis e há pouco tempo descobri mais uma: Júlio Maria dos Reis Pereira (1902-1983), que foi engenheiro, pintor, poeta e coleccionador. 
Irmão de José Régio (1901-1969), nasceu em Vila do Conde, em 1902. Formou-se em Engenharia Civil pela Faculdade de Ciências do Porto (1919-1928) e ingressou também na Escola de Belas-Artes dessa cidade para adquirir formação artística. Como artista plástico colaborou nas obras de José Régio e na revista Presença. Realizou uma exposição individual em 1935, mas já três anos antes, em 1932, publicara, sob o pseudónimo de Saul Dias, um livro de poesia. No ano de 1936 participou na Exposição dos Artistas Modernos Independentes (sob o pseudónimo "Júlio"), figurando ao lado de pintores como Almada Negreiros e Vieira da Silva. No mesmo ano de 1936, entrou ao serviço da Direcção-Geral dos Edifícios e dos Monumentos Nacionais, primeiro em Coimbra e um ano depois em Évora, onde assumiu o cargo de Director dos Edifícios do Sul. Na cidade Alentejana viveu e trabalhou até 1972, quando, já reformado, regressou a Vila do Conde. Começou a coleccionar, desde 1942, «Bonecos de Estremoz», constituindo uma fabulosa Colecção de 375 peças, que juntou ao longo de 28 anos. Vendeu as peças à Câmara Municipal de Estremoz em 1971, sendo estas expostas no Museu Municipal de Estremoz em 1975. Como artista, expôs também em São Paulo (Brasil) (1953) e venceu o primeiro prémio de desenho no IV Salão de Outono do Estoril (1958). Escreveu numrosos livros de poesia, destacando-se A Obra poética de Saul Dias, publicada em 1962.
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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Para o dia 14 de Fevereiro

Robert Indiana, Love (1967, MOMA).
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«L'amour est toujours devant vous. Aimez !»
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domingo, 12 de fevereiro de 2012

A vida e a vida convertida em arte

Frank Weston Benson, Against the morning sky (1922) e Evening (1925).
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«A arte não é uma imitação da vida, mas a vida mesma 
E não se deve dizer a arte e a vida, 
Mas sim a vida e a vida convertida em arte»
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Ramalho Ortigão,
citado por Maria João Oliveira (1998).

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Décimo Júnio Bruto junto ao Rio Lima

Tapeçaria de Almada Negreiros, Décimo Júnio Bruto junto ao Rio Lima (c. 1955, Pousada do Monte de Santa Luzia - Viana do Castelo).
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Em pesquisas sobre outros assuntos, deparei-me com o projecto do arquitecto Jorge Segurado para o mobiliário e decoração do Hotel de Santa Luzia, que previa para uma das salas a realização de uma tapeçaria concebida segundo um cartão do seu amigo Almada Negreiros. Sendo o Hotel situado em Viana do Castelo, o tema escolhido para a tapeçaria foi a travessia do Rio Lima por Décimo Júnio Bruto, que terá ocorrido cerca do ano de 137-135 a.C..
Por coincidência, era uma lenda que eu já conhecia, pois o meu professor de História da Arte da Antiguidade referiu-a várias vezes nas suas aulas.
Décimo Júnio Bruto foi eleito cônsul em 138 a.C. e dirigiu as campanhas para estabilizar e castigar as tribos rebeldes do território ao norte do Tejo logo após a morte de Viriato. Chegou até ao rio Lima, que se julgava ser o Rio Lethes, o lendário rio do esquecimento. 
Na mitologia grega, o Rio Lethes era um dos rios do Hades. Beber das suas águas provocava o esquecimento de toda a vida passada, o que permitiria que as almas pudessem voltar a reencarnar.
Perante a recusa dos seus soldados em cruzar o rio, pelo temor de perderem a memória, Décimo Júnio Bruto atravessou-o primeiro e foi chamando os soldados um por um, pelos seus nomes. Estes, vendo que ele não havia perdido a memória, venceram o medo e atravessaram o rio.
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Bibl.: Acampamento Romano de Antanhol (Coimbra) (2011) e Ana Vasquez Hoys, El Limia, el Río del Olvido Gallego (2009).

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Magia


Scott Gustafson, Merlin & Arthur.
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«Le merveilleux est toujours beau, il n'y a même que le merveilleux qui soit beau».
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domingo, 5 de fevereiro de 2012

Sobre o riso

John Tenniel, Cheshire cat.
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«A day without laughter is a day wasted». 
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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Nocturnos

Alphonse Osbert, Les chants de la nuit (1896, Musée d'Orsay, Paris).
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A lua vem toda nua
deitar-se à noite com mar,
e o mar canta a loa à lua
na maré-cheia do luar.

Ao corpo do mar ansioso
cola o dela a lua clara,
e deste beijo amoroso
só a manhã os separa.
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Afonso Lopes Vieira,
no Prosimetron (lembrado por MR).

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Sobre a Paz

Walter Leistikow, Waldsee in Winter (1892, State Museum, Berlin).
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«One man with an idea in his head is in danger of being considered a madman: two men with the same idea in common may be foolish, but can hardly be mad; ten men sharing an idea begin to act, a hundred draw attention as fanatics, a thousand and society begins to tremble, a hundred thousand and there is war abroad, and the cause has victories tangible and real; and why only a hundred thousand? Why not a hundred million and peace upon the earth? You and I who agree together, it is we who have to answer that question.»
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