quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Fadas de Outono (e coisas mais ou menos parecidas)

(in Belle + BeeLink)
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«Fairies are invisible and inaudible like angels. But their magic sparkles in nature.»
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Lynn Holland (Link).
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Cicely Mary Barker, Flower Fairies of the Autumn (in Pinterest, Link)
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«I believe in everything until it's disproved. So I believe in fairies, the myths, dragons. It all exists, even if it's in your mind. Who's to say that dreams and nightmares aren't as real as the here and now?»
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John Lennon (Link).
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Rene Cloke (in Carolyn Gibson, Link)
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«The fairies went from the world, dear,
Because men's hearts grew cold:
And only the eyes of children see
What is hidden from the old...»
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Kathleen Foyle (Link).
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Marcela Calderón, Autumn fairy (in BéhanceLink)
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«[W]hen the first baby laughed for the first time, its laugh broke into a thousand pieces, and they all went skipping about, and that was the beginning of fairies. And now when every new baby is born its first laugh becomes a fairy. So there ought to be one fairy for every boy or girl.»
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James Matthew Barrie, Peter Pan  (Link).
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Disney Fairies (in Media DarlingsLink)
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«It's easy to believe in magic when you're young. Anything you couldn't explain was magic then. It didn't matter if it was science or a fairy tale. Electricity and elves were both infinitely mysterious and equally possible - elves probably more so.»
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Charles de Lint (Link).
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Clothespin Dolls (in Pinterest, Link)
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«Of course you don't believe in fairies. You're fifteen. You think I believed in fairies at fifteen? Took me until I was at least a hundred and forty. Hundred and fifty, maybe. Anyway, he wasn't a fairy. He was a librarian. All right?»
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Mama Do That (in Nordic ThoughtsLink)
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«Few humans see fairies or hear their music, but many find fairy rings of dark grass, scattered with toadstools, left by their dancing feet.»
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(in The Dutchess, Link)

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Sobre o preto

Neste fim-de-semana, tive uma conversa com o meu filho que me deu que pensar. A questão era meramente se o preto é uma cor, pois, segundo o que lhe disseram na escola, o preto não é uma cor. Contudo, eu fiquei intrigada e fui ver no dicionário de Cândido de Figueiredo, onde notei que a definição de preto é bastante complexa, mas, de facto, nunca afirma que o preto é uma cor, embora também não o desminta de forma clara.

Avental de traje feminino de festa, noiva do Minho (c.1940, Museu Nacional do Traje - Link)

Daquilo que me lembro de ter aprendido, o preto, em termos ópticos e físicos, não é realmente uma cor, pois corresponde à ausência de cor ou de luz. Na natureza, o preto existe nas zonas de sombra e nos objectos (matéria) que absorvem a luz. No entanto, para as artes visuais, nomeadamente para a pintura, o preto é a soma de todas as cores.

Costa Motta Sobrinho (modelo) e J.A.Cunha Lda. (reprodução), Jarro (Museu de Cerâmica - Link)

Evidentemente que, se juntarmos as três cores primárias (mais precisamente cyan, magenta e amarelo) ficamos com um preto mais "colorido" e rico, diferente do preto que se consegue através do carvão ou de outros compostos de cor negra. Lembro-me que, ao estudar a obra de Columbano e a pintura do século XIX, se falava da tinta preta que era feita à base de betume, a qual se veio a confirmar que era pouco estável e criadora de problemas de conservação. Recordo por fim que, nas aulas de história da arte, do liceu, me disseram que os pintores impressionistas não usavam o preto e compunham as cores todas a partir das cores primárias. Depois disso, de cada vez que fui a um museu onde existia pintura impressionista, procurei olhar bem para as pinturas e concluí que, se não usavam o preto que vem nos tubos de tinta, compunham o preto a partir da mistura de outras cores.

Rogier Van der Weyden, Portrait of Philip the Good (c. 1450, Musée des Beaux-Arts de Dijon - Link)

De acordo com a Wikipedia, o preto é a cor do carvão, do ébano e do espaço. Confirma-se que é a cor mais escura, a ausência ou a completa absorção da luz, representando, por isso mesmo, a escuridão. Foi uma das primeiras cores a serem usadas pelo homem, desde o período paleolítico. O seu significado foi evoluindo consoante as culturas, desde a associação à tristeza, à humildade e à morte, mas também às bruxas e à magia. O preto passou depois a ser sinónimo de dignidade e elegância, sobretudo com a Idade Moderna, pois era usado nas vestes de pessoas que detinham posições de poder. No período romântico, tornou-se a cor preferida das vestes dos poetas, precisamente, segundo ouso depreender, pela sua associação à melancolia. Mais recentemente, o preto foi sendo usado com maior liberalidade, podendo assumir um valor simbólico ou apenas estético, consoante as circunstâncias.

Augusto Roquemont, Retrato da Baronesa do Seixo - Cândida Rosa de Faria (1845, Museu Nacional de Soares dos Reis - Link)

Em abono da verdade, Manet disse que o preto não é uma cor (Link), mas também é certo que uma das suas obras mais conhecidas é o retrato de Berthe Morisot vestida de preto. Renoir, um dos impressionistas, terá dito «J’aurais mis quarante ans à découvrir que la reine des couleurs est le noir.» (Link). E, mais tarde, a escultora Louise Nevelson, afirmou: «I fell in love with black; it contained all color. It wasn’t a negation of color… Black is the most aristocratic color of all… You can be quiet, and it contains the whole thing.» (Link)

Édouard Manet, Berthe Morisot with a Bouquet of Violets (1872 - Link)

Perante tudo isto, continuo a achar que o preto, mesmo que não seja uma cor em termos de teoria da óptica, é uma cor em termos práticos. Assumo que não há uma mas muitas tonalidades de preto - dizia Yves Saint Laurent que «Il n'existe pas un noir, mais des noirs.» (Link) -, desde a mais neutra, à mais colorida - consoante a forma como se fabricou o pigmento. Apesar de eu não ser uma admiradora desta cor, existem numerosos seres vivos e inanimados, obras de arte e objectos que a apresentam, e que são realmente detentores de grande beleza.

Paul Klee, Black Knight (1927, North Rhine Westfalia State Collect - Link)

domingo, 27 de outubro de 2013

Nocturnos II vs. «Mr. Whistler's "Ten O'Clock"»

Hiroshige, Moonlight View of Tsukuda with Lady on a Balcony (1856 - via Wikipaintings)
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«(...) Yes, Art--that has of late become, as far as much discussion and writing can make it, a sort of common topic for the tea-table.
Art is upon the Town !--to be chucked under the chill by the passing gallant--to be enticed within the gates of the householder--to be coaxed into company, as a proof of culture and refinement. (...)»
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Whistler, Nocturne: Blue and Silver - Chelsea (1871, Tate Gallery, Londres)
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«She (art) is, withal, selfishly occupied with her own perfection only--having no desire to teach--seeking and finding the beautiful in all conditions and in all times (...)»
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Van Gogh, The starry night (1888, Musée d'Orsay, Paris - via Wikipaintings)
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«Nature contains the elements, in colour and form, of all pictures, as the keyboard contains the notes of all music.
But the artist is born to pick, and choose, and group with science, these elements, that the result may be beautiful--as the musician gathers his notes, and forms his chords, until he bring forth from chaos glorious harmony. (...)»
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António Carneiro, Nocturno - Matriz de Ponte de Lima (1913 . via Matrizpix)
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«And when the evening mist clothes the riverside with poetry, as with a veil, and the poor buildings lose themselves in the dim sky, and the tall chimneys become campanili, and the warehouses are palaces in the night, and the whole city hangs in the heavens, and fairyland is before us--then the wayfarer hastens home; the working man and the cultured one, the wise man and the one of pleasure, cease to understand, as they have ceased to see, and Nature, who, for once, has sung in tune, sings her exquisite song to the artist alone, her son and her master--her son in that he loves her, her master in that he knows her».
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Georgia O'Keeffe, City Night (1926 - via Wikipaintings)
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«To him her secrets are unfolded, to him her lessons have become gradually clear. He looks at he flower, not with the enlarging lens, that he may gather facts for the botanist, but with the light of the one who sees in her choice selection of brilliant tones and delicate tints, suggestions of future harmonies».
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Whistler, «"Ten O'clock" - Lecture delivered in London, Cambridge, Oxford, 1885» (Link para o texto na totalidade)

sábado, 26 de outubro de 2013

Nocturnos I

Aert van der Neer, River View by Moonlight (c. 1640-1650, Rijksmuseum Amsterdam - via Wikimedia Commons)
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«The sky grew darker, painted blue on blue, one stroke at a time, into deeper and deeper shades of night.»
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Böcklin, Ruins in the moonlit landscape (1849 - via Wikipaintings)
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«And the night shall be filled with music, 
And the cares, that infest the day,
Shall fold their tents like the Arabs,
and silently steal away.»
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Endre Balint, Magic Night at Szentendre (1966 - via Wikipaintings)
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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Em tons de laranja e vermelho, mais ou menos outonais

«Orange is the happiest color»
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Still Life with Pumpkin (via Still Life Quick Heart)

Lavinia Fontana, Portrait of a Lady of the Court with Dog (1590 - via Large Size Paintings)

«Everyone knows that yellow, orange, and red suggest ideas of joy and plenty.»
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Adelaide R. Kennintg D`Alberto, Baronesa de São Diniz (Paço dos Duques de Bragança - via Matriznet)

 John Everett Millais, Leisure Hours (1864, Detroit Institute of Arts - via The Fine Art Diner)

«Orange is red brought nearer to humanity by yellow.»
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Carl Larsson, Getting Ready for a Game (1901 - via Large Size Paintings)

«[Orange] is one of God's favorite colors--- He stuck it right there between red and yellow as the second color in the rainbow. He decorates entire forests with shades of orange every autumn. It shows up in sunrises at the start of the day, sunsets at the end of the day, and in the glow of the moon at the right time of night.»
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J. M.. William Turner, Sun Setting over a Lake (c. 1840, Tate Gallery)
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Martta Wendelin (via Nordic Thoughts)

«There is no blue without yellow and without orange.»
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Franz Marc, The Fox (1913, Kunstmuseum, Dusseldorf - via Wikipaintings)

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Gatos

Ray Milici, 11 Pine (1999 - via Still Life Quick Heart)
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«Cats are connoisseurs of comfort.»

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Do chocolate e algumas coincidências

Ontem, ao ver vagamente uma série de desenhos animados sobre as cidades do ouro na América do Sul, pensava que, para mim, o melhor ouro que veio dessas paragens, após as Descobertas, foi o chocolate. 

(Link)

Hoje, abrindo um dos meus blogues favoritos, descobri esta pintura (que já aqui "postei"), que me deixou (re)deliciada. Decidi então dedicar um post ao meu "fiel amigo" chocolate.

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Após esta decisão, fui procurar no Matriznet o que existia nos museus portugueses sobre o tema e encontrei esta chocolateira, muito parecida com a da pintura e com a mesma datação:

Chocolateira fabricada em Estrasburgo (?), feita em prata com cabo de pau-santo, com as armas Reais de D. Maria I (1770, Palácio Nacional de Queluz - Link)
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Não encontrei a chávena da pintura, mas encontrei outra parecida e com uma cronologia próxima:

Taça de chocolate produzida na Fábrica del Buen Retiro, que pertenceu à Casa Real (Madrid) (1780 - 1808, Palácio Nacional da Ajuda - Link).
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Continuando a minha gulosa pesquisa, sobre um tema que consegue reunir muitos dos meus interesses, tanto gustativos como estéticos e intelectuais, constatei que os artistas não foram prolíficos sobre o assunto, embora se encontrem algumas "pérolas":

A. Castrioto, D. João V tomando chocolate em casa do Duque de Lafões (1720, Museu Nacional de Arte Antiga - via Matrizpix)
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Pietro Longhi, Early Morning Chocolate (Gallery: Ca' Rezzonico, Museo del Settecento, Veneza - via Wikipaintings)
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Pierre-Auguste Renoir, The cup of chocolate (1878 - via Wikipaintings)
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Acrescento uma frase com muita sabedoria:
«Research tells us fourteen out of any ten individuals likes chocolate».
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E, por fim, recordo uma das formas de que eu mais gosto de comer chocolate e que já não faço há muito (demasiado!) tempo:
(Link)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Duas frases de Bergson

George Cope, Spectacles (1900 - via Still Life Quick Heart)
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“The pure present is an ungraspable advance of the past devouring the future. In truth all sensation is already memory.”
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“But, then, I cannot escape the objection that there is no state of mind, however simple, which does not change every moment, since there is no consciousness without memory, and no continuation of a state without the addition, to the present feeling, of the memory of past moments. It is this which constitutes duration. Inner duration is the continuous life of a memory which prolongs the past into the present, the present either containing within it in a distinct form the ceaselessly growing image of the past, or, more profoundly, showing by its continual change of quality the heavier and still heavier load we drag behind us as we grow older. Without this survival of the past into the present there would be no duration, but only instantaneity.” 
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Henri Bergson, An Introduction to Metaphysics
Nota: os bolds são meus.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Para finalizar, ainda das naturezas mortas

Na Antiguidade as naturezas mortas eram chamadas de rhopographie (representação de pequenos objectos) ou rhyparographie (representação de objectos vulgares). Vasari, já na Idade Moderna, ao escrever sobre Giovanni da Udine, referiu-se a elas como pintura de "cose naturali" e, para definir a especialidade de Bassano, utilizou o termo de "cose picole". Outras terminologias utilizadas incluíam "vie coye" (em flamengo) e "oggeti di ferma" (em italiano). Foi já no séc. XVII, na Holanda, que se criou o termo "still-leven", que esteve na origem do "still-life" em inglês. Deste modo, distinguia-se a representação de objectos que não se movem, por oposição à pintura de figuras ou seres animados. Contudo, em França, passou-se a utilizar a definição de "nature morte", extraído de uma réplica de André Félibien, ao descrever o género com um juízo negativo, nos finais do séc. XVII. 

Still Life with Sweetmeats (Museum of fine Arts, Boston - Link)

Os nomes que se deram às pinturas com naturezas mortas ajudam a definir o género representado. Trata-se da figuração de "vida parada", o que implica a ideia de um "instante duradouro" e pode traduzir a mensagem do inexorável passar do tempo e da futilidade dos prazeres mundanos. É, por esse motivo, que para Gombrich cada natureza morta é em potência uma vanitas. Se bem que, por definição, toda a pintura constitui a representação de um momento parado e, por isso, de um "instante duradouro" (e o mesmo é válido para a fotografia e para a escultura), o facto de, na natureza morta, se apresentarem objectos inanimados, aumenta a ideia de duração e de ausência de movimento: a acção deixa de ser o tema do quadro. Neste sentido, a natureza morta, mais do que os outros géneros da pintura, exactamente por fazer prevalecer factores compositivos e visuais, sobre valores narrativos, anuncia a arte abstracta. 

Chardin, La Raie (1728, Museu do Louvre, Paris - Link)

Devemos aqui recordar que, apesar de tudo, nas naturezas mortas não surgem somente objectos e seres inanimados, ou cuja vida tem uma duração relativamente reduzida (caso das flores nos jarros), mas também é composta, também e muitas vezes, por pequenos animais ou mesmo por pessoas em segundo plano. Aqui devemos ter dois aspectos em consideração. Um é que, em princípio, considera-se um quadro como uma natureza morta quando é a representação de objectos que domina o tema. Por outro, mesmo nesses quadros, a quietude própria da natureza morta, é posta em causa, pela presença de um ser vivo que se espera que se movimente. Essa contradição entre a falta de movimento própria do tema e a acção implícita pela figura viva, acaba por criar um contraste, uma sensação de surpresa, num jogo lúdico, quase de escondidas, que era apreciado pela arte barroca, e mesmo posteriormente. Quando é a acção iminente que domina a composição, creio que a natureza morta perde protagonismo, passando o quadro a estar mais próximo da pintura de género, animalista, ou mesmo do retrato. Mas também, quando a figura viva representada está numa pose muito contida, tendemos por vezes a nos esquecermos dela e julgarmos, pelo menos à primeira vista, que estamos perante uma natureza morta - como no caso de algumas pinturas de Columbano, e, por exemplo, n' A Luva Cinzenta.

Columbano, A Luva Cinzenta (1881, Museu do Chiado - MNAC, Lisboa - Link)

As naturezas mortas nem sempre foram apreciadas pelos críticos e teóricos de arte, o que se deve, precisamente, ao tipo de assunto representado. Foi com a Academia francesa, no séc. XVII, que se definiu uma hierarquia dos géneros, que separava em primeiro lugar a representação das pessoas e dos objectos, plantas e animais. À cabeça da lista estava a pintura de história sagrada e profana que, além de implicar a figuração de seres humanos e em telas de grande formato, exigia o conhecimento de anatomia, composição, o domínio do movimento, mas também de pintura de paisagens e naturezas mortas. Era assim a mais complexa e completa. Os restantes géneros, que tendiam a especializar-se em alguns domínios em detrimento de outros, eram vistos como inferiores. Um pintor de retrato teria a vantagem de figurar pessoas de importância reconhecida (ou que desejavam essa importância), um pintor de género figurava coisas humanas, um pintor animalista daria pelo menos atenção ao movimento, um pintor de paisagem ou de natureza morta estaria no fim da escala, sendo pior a natureza morta que nem tratava (em princípio) de seres vivos. O formato das obras também ia diminuindo há medida que se descia na escala hierárquica e, por exemplo, seria considerado inconcebível pintar um quadro de género nas dimensões guardadas para a pintura de história. 

Fantin-Latour, Natureza Morta com Flores e Frutos (1865, Museu d'Orsay, Paris - Link)

No entanto, as naturezas mortas (bem como as paisagens) tinham adeptos. Para os artistas eram um bom exercício, pelo facto dos objectos terem fácil acesso, serem facilmente colocados nas poses desejadas e durante o tempo necessário, permitindo o refinamento de métodos, a descoberta de valores cromáticos e de tons. Alguns artistas especializaram-se neste tema, como Chardin, que dedicou a sua obra, na quase totalidade, à figuração de quadros de quotidiano doméstico e de natureza morta. A qualidade da sua pintura obrigou a crítica a aceitar a sua obra e, com o fim da Academia, depois da Revolução Francesa, os artistas tiveram maior liberdade na escolha dos temas. No final do séc. XIX e início do séc. XX, os artistas que experimentavam novas formas de recriar a realidade, como foi o caso Cézanne, optaram pela natureza morta como motivo preferencial, porque permitia, sem grandes complicações, a repetição de um mesmo assunto, com pequenas variações, podendo o artista concentrar-se apenas (ou quase) em questões picturais e lumínicas. Mas outras questões se devem levantar, pois a natureza morta era também apreciada pelo público, sobretudo entre a burguesia. Devido às suas reduzidas dimensões e temas simples, era mais acessível quer economicamente, quer culturalmente. Para as mulheres, que até ao início do séc. XX tinham uma vida muito recatada, sobretudo por imposições sociais, a natureza morta tinha a vantagem de poder ser feita em casa e com objectos domésticos. Por fim, ainda de acordo com a questão económica, a natureza morta por ser um tema, em princípio, decorativo, sobretudo no caso das flores, vendia-se com facilidade e permitiu a alguns artistas, como Fantin-Latour, poder sobreviver em grande medida graças a elas.
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Bibliografia:
Oman Calabrese, Como se Lee una Obra de Arte, Madrid, Ediciones Cátedra, 1993.

domingo, 20 de outubro de 2013

Ainda sobre as Naturezas Mortas

Hubert van Ravesteyn, Still Life with Nuts, Wine and Tobacco (1671 - Link)
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Por tradição, o formato da pintura de natureza morta é de dimensões relativamente reduzidas e a escala dos objectos tende a ser a mesma da realidade. Esta escala torna a pintura mais parecida com o espaço em que está inserida e a cena representada como que prolonga o espaço de produção ou recepção, contiguidade acentuada pela procura da ilusão de óprica. O fundo das naturezas mortas costuma ser sem horizonte definido, um fundo opaco composto por uma parede escura, o que é acentuado pela fraca iluminação, direccionada e em claro escuro, que contribui para eliminar a distância. Contudo, nem sempre se cumpria esta regra, surgindo naturezas mortas concebidas em lugares definidos e em tons claros, ou mesmo inseridas em paisagens. Por outro lado, desde o século XX, que a arte foi conquistando uma outra liberdade, que permite a criação de naturezas mortas em várias dimensões e com objectos figurados numa escala bastante superior à realidade, negando-se mesmo o colorido natural.

Willem Kalf, Still Life with Ewer and Basin, Fruit, Nautilus Cup (1660 - Link)

A ligação entre a natureza morta e o retrato tem longa tradição e já foi analisada por Oman Calabrese (Como se Lee una Obra de Arte, 1993). Já referimos que os retratos de família estão na origem das naturezas mortas de refeição, mas não devemos esquecer que as naturezas mortas surgiam noutro tipo de retratos, relacionando-se com a pessoa representada - por exemplo, livros junto de um escritor. Evidentemente, surgiam também naturezas mortas em quadros de género, históricos e religiosos, mas aí a relação é diferente, geralmente mais decorativa ou simbólica.

Portrait of a Patrician Family (1610 - Link)

A natureza morta pode substituir um retrato na ausência da pessoa física retratada e as primeiras naturezas mortas independentes, no período Moderno, apareceram na parte de trás dos retratos. O formato, escala e espaço do retrato tem paralelo com o das natutrezas mortas, pois o retrato também costuma assumir um tamanho próximo da realidade, figurando a pessoa num fundo abstracto e indefinido, procurando o efeito de trompe l'oeil. Em ambos os géneros se procura, geralmente, captar o instante duradouro, ficando os elementos em pose, dispostos em cena pelo artista. 

Henri Stresor, The Oyster Eater (Link)

É ainda de referir que, apesar das naturezas mortas corresponderem à representação de objectos e seres inanimados, é frequente a sua associação à pintura de género e à representação de pequenos animais. Alguns artistas fizerem numerosas pinturas de género em que a presença humana é secundarizada, ao ponto de se incluir essas obras em contextos temáticos de natureza morta. Aliás, a pintura de género, até pelo seu pequeno formato tradicional, tem proximidade, incluindo histórica, com a pintura de natureza morta - sendo de recordar as pinturas de "bodegones" ou os quadros de quotidiano holandeses, que influenciaram a pintura do século XIX, como no caso de Columbano ou Hammershøi. A questão da escala também contribui para a intromissão de géneros, com a figuração fortuita de pequenos animais vivos (insectos, roedores, ou até mesmo cães e gatos) em pinturas habitualmente consideradas de natureza morta (caso da Raia de Chardin). No entanto, não se consideram entre as naturezas mortas as figurações de animais de grande porte, que, em contrapartida, se assumem como presenças habituais em quadros de paisagem. Aqui há ainda outra questão que é o facto das naturezas mortas tenderem a surgir em espaços fechados e íntimos, o que normaliza a presença de animais que existem nos espaços domésticos, quer de forma permitida (caso dos gatos) quer de forma indesejada (caso dos insectos). Os animais, nestes casos, ajudam a construir a leitura simbólica das composições, o que se proporciona pelo significado  a eles associado.

Juan van der Hamen y Leon, Still Life with Sweets (1627 - Link)

As naturezas mortas correspondem a uma representação do mundo material, mas são simultaneamente um testemunho da vida interior do artista e incitam à meditação. Se possuem uma forte relação com o mundo sensível, também apelam ao intelecto, pois o artista, para as conceber, tem de realizar um esforço de concentração e de compreensão do mundo real, traduzido para o quadro através de uma composição artística.

sábado, 19 de outubro de 2013

Os Temas da Natureza Morta

A teoria de arte concebeu classificações detalhadas dos sub-géneros da natureza morta, baseando-se nos diferentes assuntos abordados. Embora a maior parte dos temas aceites correspondam sobretudo ao séc. XVII, alguns foram praticados desde a Antiguidade aos nossos dias, enquanto outros são apenas próprios de uma determinada época. O seu significado também se alterou com a evolução das mentalidades, reflectindo a própria história da humanidade e os seus interesses em cada momento.

Pieter Aersten, Market woman at a vegetable stand (1567, Gemäldegalerie, Berlim - via Wikipedia)

No séc. XVI surgiram as «Cenas de Mercados», que reflectiam o aumento da produção de alimentos que se deu com o avanço da agricultura na Idade Moderna. Não se tratam de naturezas mortas puras, pois apesar de serem os objectos que dominam em primeiro plano, apresentam planos mais vastos que incluem pessoas - o que, de certo modo, é mais próprio da pintura de género. Pieter Aersten pintava cenas de mercado como parte das ilustrações bíblicas, o que além de demonstrar o fascínio pela nova abundância do seu tempo, também introduzia um espírito crítico relativamente à vida dos lavradores ricos.

Juan Sánchez Cotán, Still life with a cardoon and francolin (1603 - Wkimedia Commons)
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A abundância dos alimentos trouxe outra tipologia, que é a das «Alegorias de fertilidade», mas também introduziu outros sub-géneros, como os talhos, que por vezes aludem às «tentações da carne», ou as cenas de cozinha e os «bodegones» - mais relacionados com a economia doméstica, sendo os «bodegones» caracterizados por uma atitude mais votada à humildade. Dentro deste mundo dos alimentos devem incluir-se ainda as cenas de caça, que reflectiam, pelo menos inicialmente, os interesses da nobreza, que era quem, tradicionalmente, detinha o privilégio de caçar.

Willem Kalf, Still-Life with a Late Ming Ginger Jar (1669, Indianapolis Museum of Art, via Wikimedia Commons)

Ainda dos alimentos, devemos destacar os frutos, um dos temas presentes desde a Antiguidade aos nossos dias. Muitas vezes ligados ao "trompe l'oeil" (lembrando a anedota das uvas de Zeuxis), também eram símbolo de vanitas pelo facto de terem uma perfeição efémera - o que se nota nas representações mais realistas com frutos já deteriorados. Cabe aqui igualmente recordar as maçãs de Cézanne, que, no entender de Meyer Schapiro, podem ser vistas como um objecto ligado à sensualidade.

Pieter Claesz, Still-Life with Oystersc (1633, Staatliche Kunstsammlungen, Kassel - via Web Gallery of Art)

Há que referir as naturezas mortas com doces e sobremesas, que podem ter uma associação religiosa - lembremos que os conventos eram um local privilegiado de produção de doces. Por outro lado, o tema das refeições apareceu na Antiguidade, podendo ser visto em mosaicos. As refeições estavam ligadas à representação da família que se reunia para comer, mas também podiam ser indício de luxo, ou, em oposição, do ideal de contenção, por razões económicas ou morais.

Adriaen van Utrecht, Vanitas - Still Life with Bouquet and Skull (via Wikipedia)

Num outro sub-género estavam as vanitas, que já existem desde a Antiguidade. Incluídas por vezes em pinturas que faziam referência aos cinco sentidos, aludem à futilidade dos bens terrenos, apelando também à contenção moral.

Balthasar van der Ast, Flower Still-Life with Shell and Insects (via Wikimedia Commons)

As flores foram as primeiras naturezas mortas a serem pintadas de forma independente, sendo divulgadas especialmente a partir do séc. XV. Conectavam-se com interpretações simbólicas de cariz religioso, ou evocavam propriedades curativas e medicinais. No entanto, também podiam ser entendidas como vanitas devido à sua breve beleza, depois de serem arrancadas da terra.

Evaristo Baschenis, Natureza morta com instrumentos musicais, globo e esfera armilar (Kunsthistorisches Museum, Viena Link)

Cabe ainda referir as naturezas mortas com instrumentos musicais, tema em que se destacou Evaristo Baschenis. Estavam sobretudo ligadas ao sentido da audição e, naturalmente, à própria música. Os livros, por fim, surgiram inicialmente ligados às pinturas da Anunciação e a outros temas religiosos, nomeadamente relacionados com os Evangelhos. Inicialmente vistos como sagrados, pela importância da Bíblia e pela sua raridade, foram gradualmente sendo encarados como emblema de vanitas, particularmente depois da Imprensa, que permitiu a sua secularização e fácil divulgação.

Jan Davidszoon de Heem, Still-Life of Books (1628, Mauritshuis, The Hague - Wikimedia Commons)
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Bibliografia:
Meyer Schapiro, Style, Artiste et Societé, Paris, Gallimard, 1982.
Norbert Scneider, Still Life Painting in the Early Modern Period, Taschen, 1994.
Luís de Moura Sobral, «Três "bodegones" do Museu de Évora - algumas considerações», in Colóquio - Artes, n.º 55, Dezembro, 1982.