sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Do Simbolismo disfarçado nas Naturezas Mortas e outras questões

Hans Memling, St. John and Veronica Diptych (verso da ala direita) (c. 1483, National Gallery of Art, Washingon - via WikiPaintings)
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A representação de objectos esteve inicialmente ligada a uma interpretação teológica, traduzindo temas da Bíblia através de uma leitura iconográfica. Contudo, o simbolismo que se atribuía aos objectos diferia de país para país, e consoante as concepções culturais, sociais e políticas, quer do encomendador quer do artista. Pelo menos na Idade Média, é de assumir que toda a pintura tinha um significado religioso, mas, mesmo para a moral cristã, a partir do Renascimento e, sobretudo, após o Concílio de Trento, existia uma divisão de conceitos entre os católicos e os protestantes, que se reflectia no tipo de naturezas mortas pintadas. Além destas questões, mais ligadas à cultura erudita, a arte também era permeável a outros conceitos mais provincianos e da cultura popular. Deste modo, no entendimento de naturezas mortas, sobretudo do séc. XVII, pode-se procurar uma chave interpretativa da mensagem escondida na pintura, através da escolha dos objectos e sua disposição compositiva.
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Josefa de Óbidos, Natureza Morta (1660 - via WikiPaintings)
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Para além de chaves mais ou menos perceptíveis, as pinturas de natureza morta podem também ser entendidas pelo seu significado imediato e directo, relacionado com interesses económicos, políticos e culturais, valores e preferências, dentro do círculo social em que o artista estava inserido. Elas podem dizer algo sobre o pintor, comprador e local onde foram pintadas. Os objectos estão ligados às pessoas e tiram o significado dos desejos que satisfazem e das analogias que introduzem. A natureza morta com instrumentos musicais faz pensar no músico, uma mesa com frutos evoca uma refeição, os livros e papéis recordam o escritor, estudioso ou sábio, e até podem figurar no seu retrato, precisamente com o carácter de emblemas que ajudam a perpetuar a memória do retratado. Nestes casos, os objectos são o símbolo de um modo de vida, tema de reflexão e de introspecção.
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Paul Cézanne, Compotier, Glass and Apples (Still Life with Compotier) (1880, via The Athenaeum)
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Muitos artistas deram preferência à representação de naturezas mortas, o que pode indiciar uma tendência para o isolamento, implicando disciplina espiritual e concentração. No entanto, também há artistas mais dinâmicos que se dedicaram a naturezas mortas, conferindo movimento ao tema através da composição e de efeitos de claro-escuro, como é o caso da pintura barroca. 
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Eduardo Viana, Louça de Barcelos (1915, via WikiPaintings)
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De facto, cada época introduziu nas naturezas mortas objectos de que se serviu, mas alguns desses objectos surgem desde a Antiguidade, como o caso dos frutos. São em geral objectos com ligação ao ser humano, que traduzem a intimidade doméstica. A natureza morta pode ser encarada como um mundo em miniatura, que projecta sentimentos e percepções humanas, como a solidão, a serenidade, a abundância, ou até a alegria.
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Bibliografia:
Meyer Schapiro, Style, Artiste et Societé, Paris, Gallimard, 1982.
Norbert Scneider, Still Life Painting in the Early Modern Period, Taschen, 1994.
Luís de Moura Sobral, «Três "bodegones" do Museu de Évora - algumas considerações», in Colóquio - Artes, n.º 55, Dezembro, 1982.

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