quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A Bandeira Republicana


Em Portugal, no dia 5 de Outubro de 1910, foi proclamada a República e é provável que Columbano  Bordalo Pinheiro estivesse entre aqueles de quem João de Barros dizia serem «indiferentes em política», mas que «vibraram perante os últimos acontecimentos políticos», pois recebeu importantes cargos oficiais desde Outubro de 1910.
O artista teria um importante papel no novo regime, por ter ficado envolvido na Comissão que desenhou a nova bandeira portuguesa. No dia 5 de Outubro a bandeira republicana, verde e vermelha, fora levantada em vários locais, tornando-se símbolo da revolução. Contudo, ainda não havia uma bandeira oficial para o país, sendo o assunto bastante discutido. A 29 de Outubro, o Tenente de Engenharia Raul Esteves referia que «De todos os lados chovem propostas acompanhadas dos respectivos projectos». E acrescentava: «Vê-se, portanto, que a dificuldade está só na escolha, e no campo da teoria encontram-se sempre bons argumentos para defender qualquer combinação de symbolos e côres». 
A definição do desenho e das cores da bandeira deu lugar a uma aguerrida polémica que se desenrolou ao longo dos meses de Outubro e Novembro de 1910. Os símbolos associados à bandeira variavam, mas a discussão centrou-se sobretudo em torno das cores. Basicamente foram criados dois partidos: um apoiando-se em ideais estéticos e na tradição, chefiado por Guerra Junqueiro, defendendo as cores azul e branca; outro mais convictamente político e republicano, chefiado por Teófilo Braga, defendendo a combinação verde-rubra. 
As cores verde e vermelha, eram já utilizadas pela Carbonária portuguesa, a qual apresentava um pendão verde-rubro, com o emblema da sociedade ao centro. Estas cores eram também as do Grémio Lusitano, instituição maçónica a que pertenciam muitos dos republicanos portugueses. Contudo, o colorido verde e vermelho não tinha somente origem na Carbonária (ou na Maçonaria), pois durante a Revolta de 31 de Janeiro do Porto, foi levantada a bandeira do Centro Democrático Federal, que era um centro republicano do Porto. Tratava-se de um tecido vermelho tendo ao centro um círculo verde.
Importa notar que a maioria dos intelectuais e artistas defendiam a conservação do azul e branco, mesmo antes de Guerra Junqueiro ter tomado essa posição de um modo oficial, a 18 de Outubro de 1910. Entre aqueles que comungavam dessa opinião encontrava-se o escultor Teixeira Lopes e o escritor Henrique Lopes de Mendonça, que era cunhado de Columbano e autor da letra do hino A Portuguesa. A 12 de Outubro, Lopes de Mendonça propunha que o desenho da bandeira fosse «confiado a alguma auctoridade artistica» e, no dia 16, era notícia que o Ministro do Interior, António José de Almeida «levou a despacho um decreto nomeando uma comissão gratuita, para apresentar ao governo o projecto da bandeira nacional». Essa comissão era composta por Abel Botelho, João Chagas, Columbano, Ladislau Parreira e José Afonso Pala.

Columbano Bordalo Pinheiro, João Chagas, Abel Botelho e Ladislau Parreira, in A Ilustração Portuguesa, 12/12/1910.

A comissão foi responsável, juntamente com Teófilo Braga, que presidia à República, pela materialização da bandeira verde e vermelha, associada ao republicanismo. A Comissão apresentou um primeiro projecto da nova bandeira, semelhante à actual, com as cores verde e vermelha, que foi publicada n’O Século a 30 de Outubro de 1910. Dizia-se que esta era a «bandeira da revolução – vermelha e verde – pois que havia sido por ella que no paiz inteiro, milhares d’individuos haviam sacrificado ventura, paz e tranquilidade, fôra sobre ella que se teriam feito, nas associações secretas, mais solemnes juramentos, desenvolvendo-se sob a sua acção protectora essa obra gigantesca da carbonária: - e (...) fôra a bandeira (...) que no movimento revolucionario do Porto, em 31 de Janeiro de 1891» fora levantada. Deste modo, vencia a «opinião revolucionaria». Acrescentava-se que a «comissão desempenhou-se já do seu mandato, entregando ao governo o seu parecer, de que foi relator o nosso amigo sr. Abel Botelho». De acordo com este projecto, que acabaria por ser modificado, ao centro estaria a «esphera armilar, o escudo das quinas sobrepostas com os sete castellos sobrepujados por uma estrella». 
Em 5 de Novembro, um artigo do Diário de Notícias informava que «O sr. Dr. Theophilo Braga, illustre chefe do governo provisorio da Republica, convidou os seus collegas no governo, a tratar, n’uma sessão especial, a questão da bandeira para ver se deve ou não alterar-se o projecto da comissão (...) que ha dias concluiu e apresentou os seus trabalhos». No dia seguinte, era divulgado um modelo planeado por Teófilo Braga e desenhado pelo seu secretário Levy Bensabat, com as cores verde e encarnada (dividindo o pano em duas metades) mas com um escudo diferente do que viria a ser oficial, pelo facto de ter um losango com uma cruz de Cristo atrás da esfera armilar. No Diário de Notícias, de 9 de Novembro, podia ler-se que Columbano iria apresentar o desenho do emblema da nova bandeira à comissão. Seis dias depois (15 de Novembro), os leitores do mesmo Diário eram informados que Columbano e Teófilo Braga tinham trocado impressões sobre a composição da bandeira. No dia 20 constava que já estava resolvido o modelo da bandeira e a consagração seria feita no dia 1 de Dezembro, junto do monumento aos Restauradores.

Guerra Junqueiro chegou a desenhar um projecto para uma bandeira, onde adoptava as cores azul e branca e conservava o escudo, sobrepujado por uma pequena esfera armilar circundada por cinco estrelas verdes, encarnadas e «ouro». Sabe-se que Junqueiro se reuniu com Teófilo Braga e a Comissão a propósito desta questão, mas como relatou Joaquim Leitão, com alguma ironia, a «commissão (...) ouviu attentamente a exposição brilhantíssima que Junqueiro lhe fez a proposito do seu projecto (...). Entretanto, (...) entendeu não dever alterar o seu parecer primitivo: a bandeira verde e encarnada». Segundo Raul Brandão, o «Junqueiro quer que as cores da bandeira se mantenham, o Columbano e o Teófilo querem-na encarnada e verde. (…) Tinha-se já decidido em conselho de ministros que ficasse azul e branco, mas os carbonários opuseram-se». Por fim, como se disse no Ocidente, «as côres verde e encarnada tinham de triunfar (...) neste momento, em que o espirito da revolução ainda domina (...)». Entre as Comemorações do 1.º de Dezembro em 1910 e a oficialização da bandeira pelos constituintes em 1911, a situação não ficou totalmente resolvida. A escolha era dada como provisória e por isso a Sociedade de Geografia expunha a bandeira de Guerra Junqueiro. A 11 de Dezembro, Bulhão Pato ainda se colocou a favor da bandeira azul e branca: «Tirem-lhe as armas reaes e representará a República».
Columbano dirigiu a publicação oficial, Bandeira Nacional, Modelo aprovado pelo Governo Provisório da República Portuguesa. Segundo algumas palavras atribuídas ao artista, «a bandeira é a parte poética da revolução. E como foi o povo que a impôs, o povo que fez a Republica (...), a elle só lhe compete respeitar a vontade (...). Depois, o encarnado e o verde não se casam tão mal como se disse. A questão está em se encontrar o tecido que convém (...) o verde carregado e o vermelho vivo são as [cambiantes] que melhor se combinam, e para que não se confundam, na bandeira terá o vermelho o dobro do tamanho do verde». Na Cordoaria, onde a bandeira foi confeccionada para a festa de 1 de Dezembro, não havia as cores idealizadas pelo pintor, o que ele lamentava: «Só há o encarnado e o verde-esmeralda. É pena». Columbano também sugeriu a existência de uma faixa branca intercalando o verde e o vermelho de forma a harmonizá-los, mas nada conseguiu nesse sentido perante os revolucionários de 1910. O pintor terá confiado a Varela Aldemira (seu aluno): «Fiz a minha obrigação como pintor, sem perceber de políticas e bandeiras; porque a política não é pintura, nem a pintura se faz com bandeiras».
Independentemente das campanhas, o resultado continuou a favor da bandeira verde e vermelha. Segundo o Decreto n.º 150 de 30 de Junho de 1911, publicado no Diário do Governo, definia-se que a bandeira era bipartida verticalmente em duas cores, «verde-escuro e escarlate, ficando o verde do lado da tralha. Ao centro, e sobreposto á união das duas côres, terá o escudo das Armas Nacionaes, orlado de branco e assentando sobre a esfera armilar manuelina, em amarello e avivada de negro». A divisória entre as duas cores dava, em largura, dois quintos ao verde e três quintos ao vermelho. No relatório oficial de Abel Botelho, o vermelho era símbolo de força e o verde a cor da esperança, demarcando-se deste modo das conotações políticas que ligavam estas cores à Maçonaria e à Carbonária. Por outro lado, a esfera armilar era «o padrão eterno do nosso genio aventureiro, da nossa existencia sonhadora e épica» e deve «deve ser “manuelina”, a occupar o centro da bandeira». O escudo é «symbolo lendario, primacial, da nossa historia (...). E entendemos dever rodear o escudo branco das quinas por uma larga facha carmezim, com sete castellos». Importa notar que o selo da esfera armiliar com o escudo, tal como ficou aprovado, era semelhante ao emblema de D. Maria II, rainha que estava ligada, tal como o seu pai D. Pedro IV, ao estabelecimento do liberalismo em Portugal. Eram símbolos históricos que importava preservar para dar testemunho de um passado glorioso que se desejava ser reavivado.
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Bibliografia: Margarida Elias, Columbano no seu Tempo (1857-1929), Lisboa, FCSH-UNL, 2011 (Tese de Doutoramento).
Ver também: Museu da Presidência da República.

6 comentários:

APS disse...

Por várias razões, Margarida, gostei muito deste poste.
Um bom feriado (se calhar, pela última vez)!

Margarida Elias disse...

É verdade. Bom feriado!

ana disse...

Também gostei muito, Margarida!
Beijinho e bom feriado.

Margarida Elias disse...

Obrigada Ana! Bom feriado!

LuisY disse...

Muito interessante!!

Pena ter vencido a escolha do verde e vermelho.

De facto talvez uma faixa branca no meio, a coisa escapasse melhor. mas o que está feito, está feito e agora ninguém se lembrará de alterar a bandeira, emobora já tenham alterado a ortografia da língua, que é bem pior

Margarida Elias disse...

Concordo consigo.