O Lobo de São Francisco de Assis

Ilustração de Raul Lino (1911).

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Andava o povo, assustado,
a fazer a montaria
ao grande lobo esfaimado
que tanto mal lhe fazia.
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Elle levava nos dentes
agudos e carniceiros,
os meninos inocentes
que são os alvos cordeiros.
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E as pessoas assaltando,
vinha de noite, em segredo,
com seus olhos clamejando,
encher a gente de medo!
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Ora, San Francisco era
incapaz de querer mal
mesmo que fôsse a uma fera,
até ao tigre real.
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Tinha tão bom coração
que homens e bichos o amavam
e as andorinhas poisavam
na palma da sua mão...
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E como elle desejava
que tudo vivesse em paz,
enquanto o povo caçava,
o Santo, o Poeta, que faz?
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Procura o lobo cruel,
e tendo-o encontrado enfm,
chamou-o, foi para elle,
sorriu-lhe e falou assim:
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- «Ó lobo, muito mal fazes
em levar vida tão má!
Mas eu proponho-te as pazes,
e tudo esqueço... Ouve lá:
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«Eu sei porque fazes mal,
eu sei o que te consome:
tu és tão mau, afinal,
tu és mau - porque tens fome...
-
«Pois bons amigos seremos,
para nosso e teu descanso;
e de comer te daremos
para poderes ser manso.
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«Promete que has de mudar
de vida, neste momento:
e em sinal de juramento,
alevanta a pata ao ar
e põe-na na minha mão!»
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Jurou o lobo. E cumpriu...
Depois, toda a gente o viu
tão mansinho como um cão.
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Afonso Lopes Vieira, in Animaes nossos Amigos (1911).