Na Antiguidade as naturezas mortas eram chamadas de rhopographie (representação de pequenos objectos) ou rhyparographie (representação de objectos vulgares). Vasari, já na Idade Moderna, ao escrever sobre Giovanni da Udine, referiu-se a elas como pintura de "cose naturali" e, para definir a especialidade de Bassano, utilizou o termo de "cose picole". Outras terminologias utilizadas incluíam "vie coye" (em flamengo) e "oggeti di ferma" (em italiano). Foi já no séc. XVII, na Holanda, que se criou o termo "still-leven", que esteve na origem do "still-life" em inglês. Deste modo, distinguia-se a representação de objectos que não se movem, por oposição à pintura de figuras ou seres animados. Contudo, em França, passou-se a utilizar a definição de "nature morte", extraído de uma réplica de André Félibien, ao descrever o género com um juízo negativo, nos finais do séc. XVII.
Still Life with Sweetmeats (Museum of fine Arts, Boston -
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Os nomes que se deram às pinturas com naturezas mortas ajudam a definir o género representado. Trata-se da figuração de "vida parada", o que implica a ideia de um "instante duradouro" e pode traduzir a mensagem do inexorável passar do tempo e da futilidade dos prazeres mundanos. É, por esse motivo, que para Gombrich cada natureza morta é em potência uma vanitas. Se bem que, por definição, toda a pintura constitui a representação de um momento parado e, por isso, de um "instante duradouro" (e o mesmo é válido para a fotografia e para a escultura), o facto de, na natureza morta, se apresentarem objectos inanimados, aumenta a ideia de duração e de ausência de movimento: a acção deixa de ser o tema do quadro. Neste sentido, a natureza morta, mais do que os outros géneros da pintura, exactamente por fazer prevalecer factores compositivos e visuais, sobre valores narrativos, anuncia a arte abstracta.
Chardin,
La Raie (1728, Museu do Louvre, Paris -
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Devemos aqui recordar que, apesar de tudo, nas naturezas mortas não surgem somente objectos e seres inanimados, ou cuja vida tem uma duração relativamente reduzida (caso das flores nos jarros), mas também é composta, também e muitas vezes, por pequenos animais ou mesmo por pessoas em segundo plano. Aqui devemos ter dois aspectos em consideração. Um é que, em princípio, considera-se um quadro como uma natureza morta quando é a representação de objectos que domina o tema. Por outro, mesmo nesses quadros, a quietude própria da natureza morta, é posta em causa, pela presença de um ser vivo que se espera que se movimente. Essa contradição entre a falta de movimento própria do tema e a acção implícita pela figura viva, acaba por criar um contraste, uma sensação de surpresa, num jogo lúdico, quase de escondidas, que era apreciado pela arte barroca, e mesmo posteriormente. Quando é a acção iminente que domina a composição, creio que a natureza morta perde protagonismo, passando o quadro a estar mais próximo da pintura de género, animalista, ou mesmo do retrato. Mas também, quando a figura viva representada está numa pose muito contida, tendemos por vezes a nos esquecermos dela e julgarmos, pelo menos à primeira vista, que estamos perante uma natureza morta - como no caso de algumas pinturas de Columbano, e, por exemplo, n' A Luva Cinzenta.
Columbano,
A Luva Cinzenta (1881, Museu do Chiado - MNAC, Lisboa -
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As naturezas mortas nem sempre foram apreciadas pelos críticos e teóricos de arte, o que se deve, precisamente, ao tipo de assunto representado. Foi com a Academia francesa, no séc. XVII, que se definiu uma hierarquia dos géneros, que separava em primeiro lugar a representação das pessoas e dos objectos, plantas e animais. À cabeça da lista estava a pintura de história sagrada e profana que, além de implicar a figuração de seres humanos e em telas de grande formato, exigia o conhecimento de anatomia, composição, o domínio do movimento, mas também de pintura de paisagens e naturezas mortas. Era assim a mais complexa e completa. Os restantes géneros, que tendiam a especializar-se em alguns domínios em detrimento de outros, eram vistos como inferiores. Um pintor de retrato teria a vantagem de figurar pessoas de importância reconhecida (ou que desejavam essa importância), um pintor de género figurava coisas humanas, um pintor animalista daria pelo menos atenção ao movimento, um pintor de paisagem ou de natureza morta estaria no fim da escala, sendo pior a natureza morta que nem tratava (em princípio) de seres vivos. O formato das obras também ia diminuindo há medida que se descia na escala hierárquica e, por exemplo, seria considerado inconcebível pintar um quadro de género nas dimensões guardadas para a pintura de história.
Fantin-Latour,
Natureza Morta com Flores e Frutos (1865, Museu d'Orsay, Paris -
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No entanto, as naturezas mortas (bem como as paisagens) tinham adeptos. Para os artistas eram um bom exercício, pelo facto dos objectos terem fácil acesso, serem facilmente colocados nas poses desejadas e durante o tempo necessário, permitindo o refinamento de métodos, a descoberta de valores cromáticos e de tons. Alguns artistas especializaram-se neste tema, como Chardin, que dedicou a sua obra, na quase totalidade, à figuração de quadros de quotidiano doméstico e de natureza morta. A qualidade da sua pintura obrigou a crítica a aceitar a sua obra e, com o fim da Academia, depois da Revolução Francesa, os artistas tiveram maior liberdade na escolha dos temas. No final do séc. XIX e início do séc. XX, os artistas que experimentavam novas formas de recriar a realidade, como foi o caso Cézanne, optaram pela natureza morta como motivo preferencial, porque permitia, sem grandes complicações, a repetição de um mesmo assunto, com pequenas variações, podendo o artista concentrar-se apenas (ou quase) em questões picturais e lumínicas. Mas outras questões se devem levantar, pois a natureza morta era também apreciada pelo público, sobretudo entre a burguesia. Devido às suas reduzidas dimensões e temas simples, era mais acessível quer economicamente, quer culturalmente. Para as mulheres, que até ao início do séc. XX tinham uma vida muito recatada, sobretudo por imposições sociais, a natureza morta tinha a vantagem de poder ser feita em casa e com objectos domésticos. Por fim, ainda de acordo com a questão económica, a natureza morta por ser um tema, em princípio, decorativo, sobretudo no caso das flores, vendia-se com facilidade e permitiu a alguns artistas, como Fantin-Latour, poder sobreviver em grande medida graças a elas.
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Bibliografia:
Oman Calabrese, Como se Lee una Obra de Arte, Madrid, Ediciones Cátedra, 1993.