quarta-feira, 2 de junho de 2021

Em torno da Arte Contemporânea

Liubov Popova, Painterly Architectonic (1917, MoMA, Nova Iorque)
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Por razões do meu trabalho actual, tenho andado a ler sobre Arte Contemporânea, nomeadamente desde os anos de 1960 para cá. Embora goste de muitas das obras, há outras que me deixam menos interessada, o que me levou a refletir sobre o assunto. Há aspectos que quero deixar claros antes daquilo que vou escrever a seguir. Primeiro: tenho um gosto eclético, sempre tive. Gosto de arte de todas as épocas (e mesmo ao nível da música e do cinema interesso-me por muitos géneros). Acho a diversidade interessante e enriquecedora. Gosto de fazer relações com artistas diversos e de épocas diferentes. Gosto tanto de arte do Paleolítico (ou mesmo de objectos não artísticos dessa época) como de épocas posteriores. Tive uma professora no IADE (Helena Souto) que quando falava da passagem da arte romana para a arte bizantina dizia: «Não é melhor nem pior, é diferente». Segundo: gosto de arte abstracta, mesmo a minimalista, ou outras ainda mais conceptuais. E, quando vou exposições de arte contemporânea com o meu marido, ele, que até aprecia as obras mais experimentais, mais do que eu, tem chamado a minha atenção para trabalhos que eu talvez nem notasse, mas que são, de facto, interessantes (e gosto de Koons, apesar de já ter sido associado com o kitch). Terceiro: Acho algumas propostas de arte conceptual (e outras relacionadas) muito significativas e com bastante valor. 
Contudo, e depois deste preâmbulo, será que uma obra de arte pode ser considerada uma obra de arte se o seu valor só for significativo no seu contexto histórico e cultural? Se, num acaso qualquer extraordinário, a nossa civilização ocidental terminasse amanhã, e daqui a uns 1000 anos fossem descobertas obras desta época, actualmente em Museus, quais delas manteriam um valor de arte para os vindouros? Dito de outro modo, mesmo as pinturas de Lascaux são para mim belas, mesmo que eu não saiba o seu significado exacto. Certamente o mesmo é verdade, por mero exemplo, para a Vénus de Milo (mesmo sem braços) e para a Capela Sistina. Ou pinturas de Vermeer ou de Rembrandt. O seu significado é-me secundário, porque as acho visualmente, esteticamente, interessantes. Poderei dizer o mesmo de outras obras mais recentes? Francamente, julgo que Kandinsky é magnífico por si mesmo, mas o que será que pensariam civilizações que não conhecessem o contexto em que a obra foi feita? Será que é a minha formação em História da Arte que me faz apreciar a sua obra? E se isso é verdade para Kandinsky, Klee, ou mesmo Rothko, que se dirá da Fat Chair de Joseph Beuys? Ou da escultura invisível de Salvatore Garau, vendida por 15000 euros? (que eu acho um logro). Uma coisa é certa, a escultura de Garau nem existe - quem a comprou, adquiriu uma ideia. A escultura de Beuys, daqui a 1000 anos também não existirá talvez, porque tem de ser mantida a determinada temperatura. 
Mas a questão fica-me na mente: uma obra de arte só pode ser considerada como tal se for entendida desse modo pela (generalidade da) humanidade (culta?) independentemente do contexto em que foi concebida?

5 comentários:

Isabel disse...

Questões interessantes para quem estuda e trabalha com arte.

Para mim basta-me gostar.

Não conhecia a cadeira, mas pelo que percebi não a queria, nem ia vê-la a lado nenhum. A escultura invisível, que me parece que não é nada (não li, estou a falar de cor), parece-me um bocado pateta (mas eu não tenho que perceber a arte). Dar tanto dinheiro por algo que não existe, mesmo que seja uma grande ideia, parece-me um bocado parvo.
Enfim, mas isto é a opinião de uma leiga.

Também tenho um gosto bastante eclético. Gosto de muita coisa e de coisas diferentes. Gosto de ver algumas instalações, mas isso também são coisas efémeras (até que ponto se podem considerar arte?). No fundo, arte é tudo, principalmente se puder passar por uma galeria ( muitas vezes isso tem a ver com conhecimentos e nem sempre com valor estético ).

(Gostava de ter oportunidade de aprofundar alguns conhecimentos, fazer algum curso...)

Boa tarde e bom trabalho:))

APS disse...

Um texto muito claro que apreciei bastante, Margarida.
Com a idade deixei de ser tão tolerante com a arte contemporânea que se vai fazendo, porque me parece que, por vezes, há interesses obscuros, até oportunismos, em casos específicos, por exemplo de galerias e curadores, para além de alguns artistas. Já fui, realmente, mais liberal.
Mas o gostar de uma obra ou do trabalho de um artista, tem sempre algo de misterioso e, muitas vezes, vai mudando com a idade. Interrogava-me, por exemplo, porque gostaria eu da obra de Soutine com os seus retratos distorcidos e rezes esventradas, até ter visto o boi esventrado de Rembrandt.
Vai longo o comentário, mas o seu tema é contagiante...
Um bom resto de tarde.

Margarida Elias disse...

Isabel - Como sempre me interessei por arte (a minha mãe é pintora) nunca consegui ter um olhar inocente sobre o tema. Há muita obra que me habituei a perceber que tem qualidade artística (pelo traço, pela força que transmite) mas que eu não aprecio. Algumas gosto em Museus e livros de arte, mas nunca teria em casa, mesmo que pudesse. Tenho visto algumas obras onde o conceito por detrás delas é brilhante, mas o resultado não me fascina. Etc, etc. Mas acho que há muitas obras de arte que só se concebem no seu contexto actual e não sei se irão sobreviver ao tempo, ou mesmo se os seus autores assim o desejam - talvez nunca tenha sido esse o objectivo. Boa tarde!

APS - No meu caso, depende das obras. Mas vejo trabalhos artísticos que sinceramente não me seduzem de maneira nenhuma. Se numa obra tradicional ainda consigo apreciar os valores estéticos e formais, apesar de não apreciar o tema, nas obras conceptuais (onde só há tema), as minhas dificuldades são muitas. E às vezes tenho a sensação que o que faz uma obra de arte actual são os galeristas e os críticos de arte, isto é, se eles dizem que é arte, é porque é. Mas tenho dúvidas nisto tudo e fico curiosa sobre o que daqui irá resistir no tempo. Boa tarde!

MR disse...

Também gostei bastante deste seu texto que vai de encontro a muito do que penso.
Boa tarde!

Margarida Elias disse...

MR - Boa tarde!! :-)