Lisboa de Antigamente, 14 de Janeiro de 2016.
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Num texto de Eduardo Sucena, intitulado «Os cafés na Vida Política, Social e Intelectual de Lisboa» (1988), o autor conta a história dos cafés lisboetas, desenvolvendo sobretudo os mais antigos. Diz que o antepassado do café foi o botequim, que terá origem no Islão: «Mas, voltando à Meca islâmica, por que é que os botequins teriam surgido lá? Penso que foi a grande afluência de crentes do Islão que determinou o aparecimento de locais para fornecimento de bebidas. (...) E uma das bebidas que, com certeza, lá se consumiria, era o café, originário da Abissínia e que no século XV se começou a vulgarizar por todo o Oriente, só chegando à europa no século XVII». Segundo Sucena, nos botequins do Ocidente, «entre outras bebidas alcoólicas ou não (...), o café foi das mais consumidas também, a par da genebra, da cerveja, do ponche, do capilé e da limonada».
A Portugal os botequins terão chegado por via de Itália, tendo sido «no tempo do Marquês de Pombal, após o grande terramoto, que uma lei de 15 de Junho de 1759 os autorizou. Sebastião José de Carvalho e Melo desempenhou, como se sabe, missões diplomáticas no estrangeiro, e por lá terá sabido das vantagens da existência desse tipo de estabelecimentos, estimulando o seu aparecimento em Lisboa como pontos de encontro dos homens de negócios (...)». Um «dos botequins mais antigos de Lisboa» foi o Martinho da Arcada, fundado em 1778, com o nome de Café da Neve. Foi depois passando por vários donos, até chegar, em 1829, a Martinho Bartolomeu Rodrigues, que lhe deu o nome actual. O texto fala em numerosos outros cafés, dos quais destaco o Nicola e o Marrare.
O primeiro foi criado em 1787, por «um homem com esse mesmo nome – Nicola – ou um seu descendente, de origem italiana»:
«O botequim do Nicola ficava no local onde se encontra actualmente o Café Nicola, do Rossio, mas um pouco mais avançado. O prédio não era bem como é agora e ocupava também a parte onde foi durante muitos anos a sucursal de O Século e hoje é a sucursal do Jornal de Notícias. Na área em que está actualmente o café, era a parte propriamente dita do botequim e ao lado era o salão de bilhares. O gerente, José Pedro da Silva, tornar-se-ia célebre em Lisboa, por ter sido grande amigo do Bocage (...)».
O Nicola actual foi estabelecido em 1935, remodelado pelo arquitecto Raúl Tojal, tendo nas paredes quadros a óleo da autoria de Fernando Santos «com cenas mais ou menos fantasiosas da vida de Bocage» e a estátua de Elmano, do escultor Marcelino Norte de Almeida, datada de 1929.
António Marrare foi o fundador de dois cafés Marrare, o de São Carlos, de 1800, na esquina com as ruas Anchieta e Capelo, em frente do Governo Civil; e do Polimento, de 1820, na Rua das Portas de Santa Catarina (n.º 25), hoje Rua Garrett:
«(...) foi conhecido por Marrare do Polimento, por o revestimento interior ser de madeira polida. Foi um café romântico, um reduto de janotas da época e teve também uma frequência de literatos e políticos. (...) Mas o que, sobretudo, contribuiu para o bom nome da casa, foi o bife à marrare, alto, do pojadouro, frito em frigideira de ferro, com molho de natas. Foram frequentadores assíduos do Marrare do Polimento, Garrett (...), Castilho e até Alexandre Herculano, quando ia tratar dos seus negócios de azeite com o Jerónimo Martins, não se dispensava de lá ir beber o seu café».
Entre os seus frequentadores conta-se «uma cidadã inglesa, que teve entre nós certa aura. Foi miss Júlia Wilson, que fugiu de Londres para Lisboa em 1852 para aqui se juntar com o Ministro da Áustria, e que era outra extravagante; ia para o Marrare do Polimento jogar bilhar, vestida à homem, de calções à cavaleiro, sobrecasaca, bengala e chapéu à patuleia (...)». Este café fechou em 1866 (depois aqui esteve o Café Chiado, entre 1925 e 1963).
Pessoalmente, achei curioso que três grandes poetas portugueses frequentassem os diferentes cafés: Bocage o Nicola, Almeida Garrett o Marrare e Fernando Pessoa o Martinho da Arcada.
Um outro café que chamou a minha atenção foi o «Café da Bola, na Rua de S. Vicente à Guia, frequentado pela Severa, pelo Conde do Vimioso e por outros amantes do fado, onde se consumia um café horroroso chamado carocha (...)»; mas também, o Café Bom, na Rua dos Condes de Monsanto, de onde teriam partido os revolucionários que barricaram a Rotunda em 4 de Outubro de 1910; e o Café Sport, na Praça dos Restauradores, frequentado por adeptos do Sporting Club de Portugal.
A lista de cafés é grande (e não inclui as Pastelarias, com pena minha). O texto está online e foi publicado na revista Olisipo, n.ºs 150-152, 1987-1989, pp. 83-98.
4 comentários:
Gosto muito de textos sobre a história dos cafés. Conheço este texto de Eduardo Sucena.
O Café Bom, aqui referido, ocupava o local onde esteve até aqui há uns anos um restaurante (Nau?) que fazia esquina com a Rua da Madalena. Fui lá várias vezes.
Bom dia!
MR - Sabe de algum texto parecido sobre pastelarias? Fiquei com curiosidade. Bom dia!
Não sei se há alguma obra sobre pastelarias porque o início foram cafés e antes tabernas. Mas há artigos sobre pastelarias. Hei de procurá-los.
Boa tarde!
Gostaria de saber a história da Versalhes e da Bénard, por exemplo... Ou, já no campo dos gelados, da Santini. Bom dia!
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