quinta-feira, 28 de maio de 2009

O cão

Ilustração de Raul Lino, O Cão (in Animais nossos Amigos, 1911).
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O cão
Que faz – ão, ão, ão
É bom amigo como os que o são!

É bom amigo, bom companheiro,
É valente, fiel, verdadeiro,
Leal, serviçal,
E tem bom coração.
Que o diga o dono, se elle o tem ou não!

Quando vem de fóra, a gente,
E chega a casa, é o cão
Quem diz primeiro, todo prazenteiro,
Saltando e rindo
Contente,
E com os olhos a brilhar de amor:
- «Ora seja bemvindo
O meu senhor!»

O cão
Que faz – ão, ão, ão
É bom amigo como os que o são!

Que o diga o ceguinho, se elle o é ou não!

Nunca viram passar, pelo caminho,
Um ceguinho
Levando pela mão
O seu cão?
Que seria do cego, coitadinho,
Sem o seu guia, sem o carinho
D’aquela dedicação?

E o ceguinho caminha, e não tropeça,
Porque os seus olhos vão
Abertos na cabeça
Do seu cão...

O cão
Que faz – ão, ão, ão
É bom amigo como os que o são!

O pastor que o diga, se elle o é ou não!

O pastor vai para a serra,
Vai para a serra sózinha,
Que, lá do céu tão vizinha,
Parece longe da Terra...

O pastor leva o rebanho,
As ovelhas e os carneiros,
E os meigos cordeirinhos,
As cabras e os cabritinhos
Que saltam muito ligeiros.

O pastor leva o rebanho,
E vai-se ouvindo
O som lindo
Dos chocalhos muito finos
No ar tinindo
Como pequeninos
Sinos...

O pastor leva o rebanho,
E quem guarda os cordeirinhos
E as mães
Dos lobos maus e vorazes?
- São os cães!

São os cães, guardas valentes,
Que aos lobos dizem assim:
- «Ó lobos maus e vorazes,
Sim,
Andem, toquem-lhe lá, se são capazes!...»

E, de longe, os lobos miram
Os cordeirinhos contentes,
Mas não se atiram,
Com medo dos cães valentes
E dos seus dentes!

O cão
Que faz – ão, ão, ão
É bom amigo como os que o são!

Os pobres que o digam, se elle o é ou não!

O cavador passou a trabalhar
O dia inteiro, a cavar,
A terra do seu patrão;
E cava, cava a terra alheia,
Que era brava e pedregosa,
E elle a semeia
E elle a põe florida
Para o dono, que enfim depois goza
Ao cabo d’aquela lida...

E o cavador, o bom trabalhador,
Tem um amigo só, cheio de amor!

Tem um amigo, tem,
Que o ama a elle como a mais ninguem!

E que enquanto elle cava
A terra brava
Que ha de ser florida,
Com seu olhar o segue, tão fiel,
Com seu olhar de amor,
Que está dizendo, com carinho e dôr:
- «Como o meu dono sofre nesta vida!
Pudesse eu antes trabalhar por elle!...
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Afonso Lopes Vieira.

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