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Finalmente consegui visitar o Pátio do Martel, onde viveu Columbano. Tinha muita curiosidade devido às muitas descrições que lera sobre o local. É de facto um esaço curioso, que talvez merecesse maior atenção da parte de quem o pode fazer. Um edifício de entrada (em que há um café, onde trabalham as senhoras que me deram acesso ao pátio), com uma porta que dá para uma escadaria, que se bifurca. De cada lado um conjunto de pequenas casas, cada uma com um quintal. A vista é magnífica, vendo-se o centro histórico de Lisboa.
A respeito do que já foi este sítio, noutros tempos (final do Século XIX e início do Século XX), cito Rocha Martins, por intermédio de Fernando Madaíl.
«Cinquenta degraus até chegar à glória»
«O jornalista que os ardinas celebrizaram em pregões visitava o refúgio de artistas.
"Sobe-se ao encontro da glória por aqueles cinquenta degraus, íngremes e difíceis, mas merece bem a pena, porque não só a vista que se goza é admirável, mas porque nos pomos em contacto com as recordações de grandes mortos, da sua obra e dos ainda vivos que ali lidaram, sofreram, sonharam e realizaram parte dos sonhos - nunca os artistas estão satisfeitos - e lá mourejam e visionam quadros e estátuas." A caneta de Rocha Martins (1879-1952), jornalista e historiador, que se tornaria famoso na boca dos ardinas pelo pregão "fala o Rocha, o Salazar está à brocha", a 10 de Janeiro de 1944 descrevia assim, no Diário de Notícias, o Pátio do Martel.
Aquele local, "em frente da Conceição da Glória, à entrada das Taipas", tinha sido destinado por José Trigueiros de Martel - "homem de iniciativa, vindo do estrangeiro com ideias largas" e que seria um dos fundadores do jornal O Século - para "refúgio e mansões de trabalho de pintores e escultores" - o que, nesta altura, era continuado pelos seus sobrinhos.
"Lembremo-nos, porém, que as pedras da alta escadaria foram calcadas, como as do famoso pátio, não só pelos pés dos pintores e escultores consagrados, mas pelos das celebridades que o visitaram e algumas das quais ali foram retratadas", sugeria .
"Vemos, assim, Antero de Quental a caminho do atelier de Columbano, que trabalhou o belo quadro onde a fisionomia do poeta mira a posteridade. No mesmo lugar se dedica hoje José Campas, professor e pintor de arte, às restaurações, já notáveis, de muitos quadros; no atelier da outra ponta, na carreira das casinhas limpas e modestas, fez Francisco Franco a estátua [equestre] do Restaurador [D. João IV, que está em Vila Viçosa] e tantas outras obras-primas [toda a gente as conhece, do D. Dinis , em Coimbra, ao Cristo-Rei, em Almada]."
Arrumando os parágrafos como se fossem um puzzle, para o leitor moderno melhor entender a rubrica denominada Lisboa de Ontem e de Hoje, acompanhamos a visita ao atelier, onde o articulista relembra "Columbano, que, entre aquelas quatro paredes, tão animadas de arte, trabalhou o seu quadro Camões e as Tágides [actualmente no Museu Grão Vasco, em Viseu], painéis dos tectos do Palácio Foz e os do Museu de Artilharia, além do retrato de Antero [Museu do Chiado, em Lisboa]".
"Junto do atelier do Mestre (...) existia outro não menos celebrado: o de D. Maria Augusta Bordalo Pinheiro, irmã do grande pintor e de Rafael Bordalo, dama digna do máximo culto na dinastia bordalenga", que "ensinava a sua arte portentosa: a das rendas (...)".
Naquele pátio Carlos Reis "executou o seu quadro As Engomadeiras, que está no Museu Nacional de Belas Artes [agora, no Museu do Chiado]". Também ali trabalharam José Malhoa, "o mais português dos pintores"; Jorge Colaço, "que ensaiou, num pequeno forno, hoje soterrado, o esmalte dos seus famosos azulejos"; a lista continua numa frase longa. Noutros parágrafos, mais artistas que por ali passaram, com vultos menores a antecederem Eduardo Viana e Francisco Franco, "o escultor que domina com a sua arte e agrada com a sua modéstia".
E, a certa altura do texto, menos preocupado com o ordenamento das informações do que com as impressões de quem escreve, Rocha Martins, inspirado pelo sítio, parece querer fazer uma aguarela com palavras.
"Quando ali habitou Columbano o panorama seria diferente, com mais quintais e jardins e menos prédios." No tempo desta visita, além das "casinhas e jardinetes, todos de alegria", "depara-se-nos surpreendente panorama. No ar translúcido das manhãs, na doçura côr de pérola de certos dias, nos poentes maravilhosos de Lisboa, a parte superior do pátio do Martel, com o próprio recinto, e miradouro de poucos conhecido"».
«O jornalista que os ardinas celebrizaram em pregões visitava o refúgio de artistas.
"Sobe-se ao encontro da glória por aqueles cinquenta degraus, íngremes e difíceis, mas merece bem a pena, porque não só a vista que se goza é admirável, mas porque nos pomos em contacto com as recordações de grandes mortos, da sua obra e dos ainda vivos que ali lidaram, sofreram, sonharam e realizaram parte dos sonhos - nunca os artistas estão satisfeitos - e lá mourejam e visionam quadros e estátuas." A caneta de Rocha Martins (1879-1952), jornalista e historiador, que se tornaria famoso na boca dos ardinas pelo pregão "fala o Rocha, o Salazar está à brocha", a 10 de Janeiro de 1944 descrevia assim, no Diário de Notícias, o Pátio do Martel.
Aquele local, "em frente da Conceição da Glória, à entrada das Taipas", tinha sido destinado por José Trigueiros de Martel - "homem de iniciativa, vindo do estrangeiro com ideias largas" e que seria um dos fundadores do jornal O Século - para "refúgio e mansões de trabalho de pintores e escultores" - o que, nesta altura, era continuado pelos seus sobrinhos.
"Lembremo-nos, porém, que as pedras da alta escadaria foram calcadas, como as do famoso pátio, não só pelos pés dos pintores e escultores consagrados, mas pelos das celebridades que o visitaram e algumas das quais ali foram retratadas", sugeria .
"Vemos, assim, Antero de Quental a caminho do atelier de Columbano, que trabalhou o belo quadro onde a fisionomia do poeta mira a posteridade. No mesmo lugar se dedica hoje José Campas, professor e pintor de arte, às restaurações, já notáveis, de muitos quadros; no atelier da outra ponta, na carreira das casinhas limpas e modestas, fez Francisco Franco a estátua [equestre] do Restaurador [D. João IV, que está em Vila Viçosa] e tantas outras obras-primas [toda a gente as conhece, do D. Dinis , em Coimbra, ao Cristo-Rei, em Almada]."
Arrumando os parágrafos como se fossem um puzzle, para o leitor moderno melhor entender a rubrica denominada Lisboa de Ontem e de Hoje, acompanhamos a visita ao atelier, onde o articulista relembra "Columbano, que, entre aquelas quatro paredes, tão animadas de arte, trabalhou o seu quadro Camões e as Tágides [actualmente no Museu Grão Vasco, em Viseu], painéis dos tectos do Palácio Foz e os do Museu de Artilharia, além do retrato de Antero [Museu do Chiado, em Lisboa]".
"Junto do atelier do Mestre (...) existia outro não menos celebrado: o de D. Maria Augusta Bordalo Pinheiro, irmã do grande pintor e de Rafael Bordalo, dama digna do máximo culto na dinastia bordalenga", que "ensinava a sua arte portentosa: a das rendas (...)".
Naquele pátio Carlos Reis "executou o seu quadro As Engomadeiras, que está no Museu Nacional de Belas Artes [agora, no Museu do Chiado]". Também ali trabalharam José Malhoa, "o mais português dos pintores"; Jorge Colaço, "que ensaiou, num pequeno forno, hoje soterrado, o esmalte dos seus famosos azulejos"; a lista continua numa frase longa. Noutros parágrafos, mais artistas que por ali passaram, com vultos menores a antecederem Eduardo Viana e Francisco Franco, "o escultor que domina com a sua arte e agrada com a sua modéstia".
E, a certa altura do texto, menos preocupado com o ordenamento das informações do que com as impressões de quem escreve, Rocha Martins, inspirado pelo sítio, parece querer fazer uma aguarela com palavras.
"Quando ali habitou Columbano o panorama seria diferente, com mais quintais e jardins e menos prédios." No tempo desta visita, além das "casinhas e jardinetes, todos de alegria", "depara-se-nos surpreendente panorama. No ar translúcido das manhãs, na doçura côr de pérola de certos dias, nos poentes maravilhosos de Lisboa, a parte superior do pátio do Martel, com o próprio recinto, e miradouro de poucos conhecido"».
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Rocha Martins, citado por Fernando Madaíl.
4 comentários:
Margarida
Que bela surpresa encontrar o teu artigo e uma bela fotografia. Fiquei muito contente.
é de facto um lugar especial e onde, não sei se sabes, o NIKIAS Skapinakis ainda tem atelier e trabalha regularmente. Creio que está também no filme qu eo Jorge Silva Melo dedicou ao Nikias.
Sabes porque é qu eo Columbano foi lá parar? Afinal não usava o atelier da 'escola'?
Raquel Henriques da Silva
Exma Srª Drª Margarida Elias,
Fiz uma tese de doutoramento sobre o escultor Leopoldo de Almeida, que refere que o seu primeiro atelier foi na Vila Martelo (Amadora?) que era um atelier pobre. Ao ler o seu texto sobre o Pátio do Martel fico na dúvida se poderá ser o mesmo...Sabe se ele teve aí atelier juntamente com os outros artistas que refere no texto que ilustra a sua bela fotografia?
Ficaria muito grata se me pudesse esclarecer
Rita Mega
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=547963&page=-1
http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/11600962
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=547963&page=-1
http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/11600962
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