A teoria de arte concebeu classificações detalhadas dos sub-géneros da natureza morta, baseando-se nos diferentes assuntos abordados. Embora a maior parte dos temas aceites correspondam sobretudo ao séc. XVII, alguns foram praticados desde a Antiguidade aos nossos dias, enquanto outros são apenas próprios de uma determinada época. O seu significado também se alterou com a evolução das mentalidades, reflectindo a própria história da humanidade e os seus interesses em cada momento.
Pieter Aersten, Market woman at a vegetable stand (1567, Gemäldegalerie, Berlim - via Wikipedia)
No séc. XVI surgiram as «Cenas de Mercados», que reflectiam o aumento da produção de alimentos que se deu com o avanço da agricultura na Idade Moderna. Não se tratam de naturezas mortas puras, pois apesar de serem os objectos que dominam em primeiro plano, apresentam planos mais vastos que incluem pessoas - o que, de certo modo, é mais próprio da pintura de género. Pieter Aersten pintava cenas de mercado como parte das ilustrações bíblicas, o que além de demonstrar o fascínio pela nova abundância do seu tempo, também introduzia um espírito crítico relativamente à vida dos lavradores ricos.
Juan Sánchez Cotán, Still life with a cardoon and francolin (1603 - Wkimedia Commons)
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A abundância dos alimentos trouxe outra tipologia, que é a das «Alegorias de fertilidade», mas também introduziu outros sub-géneros, como os talhos, que por vezes aludem às «tentações da carne», ou as cenas de cozinha e os «bodegones» - mais relacionados com a economia doméstica, sendo os «bodegones» caracterizados por uma atitude mais votada à humildade. Dentro deste mundo dos alimentos devem incluir-se ainda as cenas de caça, que reflectiam, pelo menos inicialmente, os interesses da nobreza, que era quem, tradicionalmente, detinha o privilégio de caçar.
Willem Kalf, Still-Life with a Late Ming Ginger Jar (1669, Indianapolis Museum of Art, via Wikimedia Commons)
Ainda dos alimentos, devemos destacar os frutos, um dos temas presentes desde a Antiguidade aos nossos dias. Muitas vezes ligados ao "trompe l'oeil" (lembrando a anedota das uvas de Zeuxis), também eram símbolo de vanitas pelo facto de terem uma perfeição efémera - o que se nota nas representações mais realistas com frutos já deteriorados. Cabe aqui igualmente recordar as maçãs de Cézanne, que, no entender de Meyer Schapiro, podem ser vistas como um objecto ligado à sensualidade.
Pieter Claesz, Still-Life with Oystersc (1633, Staatliche Kunstsammlungen, Kassel - via Web Gallery of Art)
Há que referir as naturezas mortas com doces e sobremesas, que podem ter uma associação religiosa - lembremos que os conventos eram um local privilegiado de produção de doces. Por outro lado, o tema das refeições apareceu na Antiguidade, podendo ser visto em mosaicos. As refeições estavam ligadas à representação da família que se reunia para comer, mas também podiam ser indício de luxo, ou, em oposição, do ideal de contenção, por razões económicas ou morais.
Adriaen van Utrecht, Vanitas - Still Life with Bouquet and Skull (via Wikipedia)
Num outro sub-género estavam as vanitas, que já existem desde a Antiguidade. Incluídas por vezes em pinturas que faziam referência aos cinco sentidos, aludem à futilidade dos bens terrenos, apelando também à contenção moral.
Balthasar van der Ast, Flower Still-Life with Shell and Insects (via Wikimedia Commons)
As flores foram as primeiras naturezas mortas a serem pintadas de forma independente, sendo divulgadas especialmente a partir do séc. XV. Conectavam-se com interpretações simbólicas de cariz religioso, ou evocavam propriedades curativas e medicinais. No entanto, também podiam ser entendidas como vanitas devido à sua breve beleza, depois de serem arrancadas da terra.
Evaristo Baschenis, Natureza morta com instrumentos musicais, globo e esfera armilar (Kunsthistorisches Museum, Viena - Link)
Cabe ainda referir as naturezas mortas com instrumentos musicais, tema em que se destacou Evaristo Baschenis. Estavam sobretudo ligadas ao sentido da audição e, naturalmente, à própria música. Os livros, por fim, surgiram inicialmente ligados às pinturas da Anunciação e a outros temas religiosos, nomeadamente relacionados com os Evangelhos. Inicialmente vistos como sagrados, pela importância da Bíblia e pela sua raridade, foram gradualmente sendo encarados como emblema de vanitas, particularmente depois da Imprensa, que permitiu a sua secularização e fácil divulgação.
Jan Davidszoon de Heem, Still-Life of Books (1628, Mauritshuis, The Hague - Wikimedia Commons)
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Bibliografia:
Meyer Schapiro, Style, Artiste et Societé, Paris, Gallimard, 1982.
Norbert Scneider, Still Life Painting in the Early Modern Period, Taschen, 1994.
Luís de Moura Sobral, «Três "bodegones" do Museu de Évora - algumas considerações», in Colóquio - Artes, n.º 55, Dezembro, 1982.
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