Andrea del Sarto, Retrato de Homem (1515-1516, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa)
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«O castelão foi tratar da ceia e eu pus-me a examinar as espadas e os retratos. Como já disse antes, os seus traços estavam pintados com grande realismo. À medida que dominuía a claridade diurna, as tapeçarias de cores escuras, confundiam-se na sombra com o fundo escuro do quadro e o clarão da lareira realçava-lhes apenas os rostos, o que não deixava de ser aterrador; ou talvez assim me parecia, visto que o estado da minha consciência me provocava um terror habitual.
(...)
O castelão retirou-se. Comecei a rezar e, de vez em quando, punha mais uma acha no lume. Mal me atrevia a circunvagar os olhos pela sala, pois parecia-me que os retratos ganhavam vida. Assim que demorava o olhar em alguns deles, tinha a impressão de que piscava os olhos e torcia a boca, principalmente o senescal e a mulher, cujos retratos pendiam de ambos os lados da chaminé. (...)»
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Jan Potocki, Manuscrito encontrado em Saragoça, Vol. 2, Lisboa, Cavalo de Ferro, 2004, tradução de José Espadeiro Martins, pp. 238-239.