sábado, 22 de março de 2014

Pensamento: A Memória

Mikalojus Ciurlionis, The Thought (1904, Memorial Museum of M.Ciurlionis, Kaunas)
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Durante muito tempo, considerei que era a criatividade que nos tornava a nós, humanos, seres diferentes dos outros animais. Contudo, penso agora que, apesar de a criatividade ser (na minha opinião) muito importante, a memória é mais essencial. Só com o desenvolvimento da memória, nomeadamente depois da invenção da escrita e de outras formas de registo (desenho, pintura, fotografia, tipografia, informática, ...) é que conseguimos ir acumulando conhecimento. Esse conhecimento crescente e cada vez mais abrangente é que nos permite também desenvolver a criatividade. A memória por isso deve ser preservada, quer a memória histórica, ao nível da humanidade em geral, quer a memória pessoal e individual. Que seríamos nós sem memória? Assim como escreveu António Damásio
«We all woke up this morning and we had with it the amazing return of our conscious mind. We recovered minds with a complete sense of self and a complete sense of our own existence — yet we hardly ever pause to consider this wonder.». 

Sem memória (ou consciência auto-biográfica) todos os dias teríamos de recomeçar do zero, repetindo quando muito acções instintivas e que estivessem guardadas no nosso código genético (que também é uma forma de memória, não consciente). Porém, no limite, tanto o desenvolvimento da memória como o da criatividade requerem a criação de um sistema de comunicação com alguma complexidade, que permite transmitir aos nossos semelhantes o conhecimento adquirido. 

Carl Spitzweg, Rose scent memory (1850)

É certo que há outros animais com boa memória, mas o nosso cérebro, na sua evolução, conseguiu levar essa capacidade a um patamar mais elevado. Não deixa de ser verdade, porém, que a falta de memória, se não for excessiva, também pode ter as suas vantagens, pois como disse Nietzsche: «The advantage of a bad memory is that one enjoys several times the same good things for the first time.»; ou Mark Twain: «A clear conscience is the sure sign of a bad memory.»

2 comentários:

Presépio no Canal disse...

A frase de N. é certeira.
No meu caso, acontece-me com os filmes ou as séries que gosto muito. Sei que estive atenta e que me marcou, no entanto, noto que não me recordo bem da história como gostaria. Resultado: posso rever sempre com igual prazer.
No que toca memória familiar, às vezes, tenho pena de não ter pedido as receitas da minha tia-avó, por exemplo. No mais, gosto muito de guardar fotos e cartas antigas. Mas, hoje em dia, parece que pouco se liga a isso. Acontece, por vezes, quando morre um primo de um dos avós, os netos oferecem-me algum espólio, porque sabem que valorizo essas memórias.
Beijinhos e bom Sábado!

Margarida Elias disse...

Sandra - A minha memória também me permite reler alguns livros e filmes... mas às vezes falha, quando não deve. Eu também gosto muito de guardar memórias e de ler memórias. Bjns!