quarta-feira, 6 de maio de 2015

Portas

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-
As Portas

1

A porta está fechada.
Um sorriso abre-a.
Uma palavra também
- se for a palavra-chave.

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2

Para chegar a outro mundo
a qualquer mundo
basta abrir uma porta.

(…)

Coimbra - Fotografia de Ana Ruas Alves (link)

6

Sem portas não havia
a palavra intimidade
nem a palavra privacidade
nem a palavra casa.

Casas também não havia.
Quem é que as queria
Se não se podia entrar nem sair delas?

Também não havia janelas, telhados, varandas.
Talvez não houvesse ruas
e, sendo assim, também não havia cidades.

O mundo, que é só um, ficaria parado.
Não se podia entrar em lado nenhum.
Não se podia sair de nenhum lado.

Sem portas nada acontecia.
Também não havia segredos
porque não havia onde os guardar.
E não nasciam nem morriam pessoas
porque para nascer e para morrer
também é preciso passar uma porta.

Berlim - Pinterest (link)

7

Ninguém se lembra
que a porta de casa tem duas caras:
a de dentro e a de fora.
Se uma ri, a outra chora.

A de dentro está aconchegada,
sente o calor da lareira e das pessoas,
sabe o que há para o jantar,
cheira e vê as coisas boas.

A de fora dorme à chuva,
gela de frio e de tristeza.
Recebe os golpes do vento,
o chichi dos cães vadios,
e as pancadas do carteiro,
que bate sempre três vezes,
mais a perícia dos ladrões,
que não batem nenhuma.

(…)

A cara de dentro conhece as pessoas por dentro.
A de fora só as conhece de passagem
e mesmo assim abre-se para as deixar passar.
Como forma de agradecimento
batem-lhe a qualquer momento.
Por isso é que ela às vezes se zanga
e fecha as pessoas fora de casa.

Agora um segredo: ficam a saber
que as caras da porta não são muito dadas,
o que não admira: não se podem ver.
Estão sempre de costas voltadas.

As duas são a porta da casa
mas a de fora vive na rua
e a de dentro é que lá mora.

Ninguém se lembra que a porta de casa
tem duas caras.
Se a de dentro ri, chora a de fora.
-
Álvaro Magalhães, O limpa-palavras e outros poemas, Asa, 2000, p. 7-11.

2 comentários:

ana disse...

Obrigada, Margarida por incluir a minha porta.:))
As outras são lindíssimas.
Gostei imenso do poema.
Beijinho. :))

Margarida Elias disse...

Quanto à sua fotografia: de nada!! Beijinhos! :-)