Columbano Bordalo Pinheiro, Retrato de Manuel de Arriaga (1914, Museu da Presidência da República)
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Até 1911 fixou-se no Palácio de Belém a Secretaria-Geral da Presidência da República. Não havia residência oficial, por isso Teófilo Braga, presidente do Governo Provisório, aí se deslocava frequentemente. Em Junho de 1911, Manuel Arriaga (1840-1917), eleito presidente da República, arrendou o anexo do Palácio para residência oficial. Desde essa data que os presidentes que quiseram residir em Belém, durante a Primeira República, tiveram de pagar o aluguer. Terá sido também de Manuel de Arriaga a ideia de fazer a Galeria de Retratos, visto que esta iniciou com o seu retrato e durante o seu mandato. A ideia também poderá ter partido do governo, presidido desde Fevereiro de 1914 por Bernardino Machado.
Manuel de Arriaga era natural do Faial e formado em Direito pela Universidade de Coimbra. Filiado no Partido Republicano, fez parte do Directório em 1891. Foi eleito deputado pela Madeira e tornou-se num orador muito popular. Participou na manifestação patriótica de 11 de Fevereiro de 1890, sendo preso e conduzido a bordo de um navio de guerra. Depois da revolução foi nomeado procurador da República, e, com o apoio de António José de Almeida foi eleito para presidente, contra a vontade do Partido Democrático que escolhera Bernardino Machado. O seu papel como presidente destacou-se pela atitude pacificadora. Depois de diversas peripécias políticas, acabou por se demitir a 26 de Maio de 1915 – ficando Teófilo Braga a completar o seu mandato até Outubro desse ano.
Entre outras obras, Arriaga escreveu o livro Na Primeira Presidência da República Portuguesa, onde procurou esclarecer as acções durante o seu mandato. Nessa obra, afirmou que:
«(...) nunca fomos políticos de profissão. A politica como ella se pratica em Portugal deturpando a pureza do sufrágio, foi sempre aos nossos olhos uma das causas primaciaes da degradação dos costumes e da decadência do Paiz».
Arriaga estivera ligado à Geração de 70 e já fora retratado por Columbano para o António Maria de 7 de Agosto de 1884. Esse retrato de 1884, é de Arriaga com Consiglieri Pedroso, quando foram à Madeira para tentar a reeleição do deputado republicano pelo círculo do Funchal. Muito embora não esteja assinado, o estilo do desenho é idêntico ao de Columbano e, em 1884, o artista fez bastantes retratos para o jornal de Rafael Bordalo Pinheiro, seu irmão.
Em 1911, depois da eleição de Manuel de Arriaga, o escritor Raul Brandão dava-lhe uma imagem poética:
«Na véspera fui procurá-lo à Rua da Santíssima Trindade, n.º 35. Um salão burguês com quadros de Silva Porto e Ramalho. O velho, que mantém certa aparência de vigor, com cabeleira branca, a pêra branca, e a sobrecasaca antiquada, é uma figura arrancada a um quadro romântico».
A descrição não está longe do retrato que Columbano fez do presidente em 1914, embora o pintor lhe acrescentasse a solenidade própria de um chefe de Estado. A respeito da expressão de Arriaga neste retrato – certamente realizado pouco tempo antes da demissão – devemos lembrar as palavras de Vital Fontes, mordomo do Palácio:
«(…) E o sr. Presidente parecia abatido, triste, quási perdido aquêle seu sorriso bondoso. Não se manifestava porque era muito educado, de boas famílias, descendente de reis – dizia-se».
Das relações entre Columbano e Arriaga, há que recordar uma anedota, segundo a qual o presidente quisera adquirir uma natureza morta na exposição da Sociedade de Belas-Artes de 1914 e fora apanhado de surpresa com a nota de pagamento enviada por Columbano. De acordo com um artigo de Lopes de Oliveira, Arriaga «fôra à última Exposição; e, para animar as Artes, escolheu lá (...) uma couve, isto é, um quadro que constava da representação de uma couve.
«Não inquiriu, não reparou no preço. (...)
Mas ficou passado, quer dizer, quase em tespasse (...) quando, ao chegar a casa, lá encontrou um recibo de mil escudos, enviado por Columbano».
Dizia que o pintor perdoou a dívida, e Arriaga ficou com o quadro. Contudo não terá sido bem assim. Uma carta, datada de 4 de Julho de 1914, enviada pela Secretaria Particular da Presidência da República Portuguesa, refere que o Presidente recebeu a natureza morta, «valioso e bello trabalho de que S. Excelencia muito gosta». A carta seria acompanhada de cem escudos referentes à primeira prestação no total de dez. Talvez a dívida tenha sido perdoada depois disso (ou apesar disso), pois Vital Fontes contou outra versão da mesma história:
«É bem conhecido aquele caso do sr. dr. Manuel de Arriaga ter comprado um quadro do grande pintor Columbano. Foi às Belas Artes, viu o quadrinho, que representava uma couve, e enganou-se no preço. Começara-se então a usar a simplificação da escrita da nova moeda, e onde estava 1.000$00 julgou ver 100$00. Quando percebeu que eram mil escudos e não cem mil réis, não quis confessar o engano, para não ofender o pintor, que me parece que acabou por não aceitar nada. Mas ao chegar a Belém, o sr. Presidente não se conteve e disse:
- Nunca julguei que uma couve fosse tão cara!».
No retrato de Columbano, Arriaga está sentado numa cadeira que hoje faz parte do acervio do Museu da Presidência. A cadeira talvez seja uma que foi executada para D. Pedro V, por P. B. Dejante, em 1858, tendo vindo do Palácio das Necessidades, em 1912.. A dita cadeira iria ainda aparecer nos retratos de Teixeira Gomes, Bernardino Machado e Mário Soares.
P. B. Dejante (atribuído), Cadeira de secretária (1858, Museu da Presidência da República)
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Bibliografia:
Lopes de Oliveira, «De Columbano» (in Espólio de Columbano Bordalo Pinheiro, Museu do Chiado - MNAC).
Manuel de Arriaga, Na Primeira Presidência da Republica Portuguesa, Um Rapido Relatório, Lisboa, Typografia “A Editora Lda.”, 1916.
Pintura e Mobiliário do Palácio de Belém, Lisboa, Museu da Presidência da República, 2005.
Raul Brandão, Memórias, Tomo II, Lisboa, Relógio d’ Água, 1999.
Vital Fontes, Servidor de Reis e de Presidentes, Lisboa, Editora Marítimo Colonial Lda., 1945.
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