Columbano Bordalo Pinheiro, Teixeira Gomes (1925, Museu da Presidência da República)
-
Na Galeria da Presidência, o último retrato pintado por Columbano é o de Teixeira Gomes. Novamente, é uma obra efectuada já no final do mandato, pouco tempo antes de ele se demitir. Tal como nos outros retratos, temos a figuração de alguém que se está a afastar da vida política. Teixeira Gomes (1860-1941) era um escritor de grande prestígio, que colaborara na Crónica Ilustrada do Grupo do Leão, no ano de 1882. Natural de Portimão, o seu pai era um dos mais antigos republicanos do Algarve. Estudou em Coimbra, mas não terminou nenhum curso, indo viver, ao fim de sete anos, para Lisboa. Tornou-se amigo de escritores e conviveu com os artistas Soares dos Reis (1847-1889) e Marques de Oliveira (1853-1927). Regressando a Portimão para trabalhar com o pai, empreendeu numerosas viagens pela Europa, Ásia Menor e Norte de África, representando o «Sindicato Exportador de Figos do Algarve». Em 1895, demorou-se por Lisboa, onde conheceu o poeta António Nobre (1867-1900) e o caricaturista Celso Hermínio (1871-1904).
Depois da revolução de 1910 foi convidado para Ministro de Portugal em Londres (1911). Aí se manteve até ao governo de Sidónio Pais (1872-1918), findo o qual foi nomeado ministro em Madrid, voltando depois para Londres. Em 1922 foi nomeado delegado de Portugal à Sociedade das Nações e, em 6 de Agosto de 1923, foi eleito Presidente da República. Assumiu o cargo com o desejo de conseguir pacificar as várias facções republicanas, mas o descalabro político da Primeira República foi deixando-o cada vez mais desanimado. Entre outras actividades, convivia com artistas e escritores, cientistas e intelectuais. Durante o seu mandato como presidente, no tempo em que residiu em Belém (e segundo Vital Fonres), as quintas-feiras eram os dias de visita das filhas. Nesses dias ele «Entretinha-se com as meninas, almoçava com mais alegria e, à tarde, quando se iam embora para recolherem ao colégio, ficava triste, isto é, retomava aquela aparência fria que parecia apenas calma elegância».
Em 11 de Dezembro de 1925 demitiu-se do cargo de Presidente e partiu para o Norte de África. Desde 1931 que se fixou em Bougie, num exílio voluntário. Ainda enviou colaboração para a Seara Nova e publicou Cartas a Columbano (1932), testemunho da amizade e admiração mútua que existia entre ambos.
Em 11 de Dezembro de 1925 demitiu-se do cargo de Presidente e partiu para o Norte de África. Desde 1931 que se fixou em Bougie, num exílio voluntário. Ainda enviou colaboração para a Seara Nova e publicou Cartas a Columbano (1932), testemunho da amizade e admiração mútua que existia entre ambos.
Columbano Bordalo Pinheiro, Retrato de Teixeira Gomes (1911, Museu do Chiado – Museu Nacional
Teixeira Gomes já fora retratado por Columbano por duas vezes, ambas antes de 1911, quando fora nomeado representante de Portugal em Londres. Um dos retratos ficou em «pochade» e ficou no poder de Viana de Carvalho, seu secretário particular; o outro, o melhor dos três, faz parte da Colecção do Museu do Chiado. O terceiro retrato de Teixeira Gomes, datado de 1925, foi o que ficou na galeria do Palácio de Belém. José-Augusto França escreveu que o de 1911 apresentava a «modesta dignidade do escritor» e o de 1925 mostrava uma «pose mais rígida». De acordo com as suas palavras, era muito melhor o primeiro que o segundo, porque «nele se apresentava o intelectual diletante e ironicamente sensual ainda não ferido pela mediocridade do poder».
Testemunhando a amizade entre Teixeira Gomes e Columbano, Urbano Rodrigues (1888-1971) escreveu que o presidente costumava organizar os «Dias do Columbano», «que eram os mais íntimos», que correspondiam a um jantar e a um serão em amena cavaqueira. Teixeira Gomes dizia que por vezes tinham divergências: «Olhe o que se passa com o Greco, que eu admiro e ele detesta... Gostamos de estar juntos, mesmo calados».
Ainda de acordo com Urbano Rodrigues, quando «começou a fazer o retrato oficial «Columbano tornou-se quase um habitante de Belém. As sessões eram demoradas; e além das horas em que tinha diante de si o modelo e daquelas em que, falando com ele, fora dali, o estudava ainda para apreender traços que melhor o pudessem revelar, outras decorriam em que, só, diante do cavalete com o seu esboço, profundamente meditava». Segundo o mesmo testemunho, «(…) aquele retrato era o retrato do seu melhor amigo! (…) Quando ia já muito adiantado e o modelo (…) o qualificava de magnífico, resolveu uma manhã raspá-lo! (…).» Mesmo na «segunda criação», o pintor continuava descontente e «murmurava: Lá ver o que quero, vejo eu… Agora executar!». Teixeira Gomes também testemunhou esta história, afirmando que no
«(...) retrato oficial, de Chefe de Estado, onde ele se esforçou em pôr tudo quanto sabia, houve um momento prodigioso: faiscavam-lhe os olhos, movia-se, falava… Compreendia-se que a arte atingira os seus inultrapassáveis limites. Ainda tentei interpor a minha autoridade para impedir que lhe tocasse mais. O artista, porém, via mais além; via o irrealizável; e tanto o procurou que, embora forte e empolgante como poucas, a obra saiu inquieta e como que atormentada; frustrada quase, ao lado da serena e larga interpretação que ele deu ao Arriaga e ao Teófilo.»O retrato de Teixeira Gomes, de 1925, coloca o Presidente numa pose serena, sentado num cadeirão, enquadrado por dois objectos decorativos. Os objectos do mobiliário não são inocentes: a cadeira, apesar de apenas esboçada, é a mesma que surge no retrato de Manuel de Arriaga, mas aqui ganha maior relevo devido ao facto de não estar meio tapada pela secretária. Segundo o próprio Teixeira Gomes:
«Mas o que há de extremamente curioso neste quadro é o seu acentuado carácter “barroco”, para que o mestre tinha natural pendor, sempre sopeado, e que aqui se intensificou na febre de apreender a expressão, o movimento, o gesto, a vida. A talha chinesa e a floreira Império que ali figuram, reflectem o espírito do quadro; nunca se repassaram, como ali, de tanta alma, os objectos inanimados; mesmo nas suas melhores “naturezas mortas” o artista jamais os espiritualizou assim. Em suma: na sua obra tão numerosa e variada tem este trabalho importância capital, e sob certos aspectos nenhum outro se lhe compara».-
Bibliografia:
José-Augusto França, «Columbano Bordalo Pinheiro: o Pintor», Público, 12/5/1991.
Manuel Teixeira GOMES, Cartas a Columbano, Lisboa, Portugália Editora, 1957.
Urbano Rodrigues, Vida Romanesca de Teixeira Gomes, Lisboa, Editorial Maritimo-Colonial, 1946.
Urbano Rodrigues, «Columbano e Teixeira Gomes», Diário de Notícias, 13/2/1957.
Vital Fontes, Servidor de Reis e de Presidentes, Lisboa, Editora Marítimo Colonial Lda., 1945.
4 comentários:
Muito boa ideia, esta sua da Galeria dos Presidentes. Fundamentada e enriquecida pelos textos interessantes que escolheu.
Teixeira Gomes é o meu Presidente preferido da I República. Mas não deixa de ser curioso que não apareçam livros, nos seus retratos. Pelo menos, de forma ostensiva. Ele que foi senhor de uma prosa tão elegante e límpida.
Boa tarde!
Obrigada, APS! Ficam para uma próxima vez os outros três retratos de que gosto: Bernardino Machado, Mário Soares e Jorge Sampaio. Também gosto muito de Teixeira Gomes e acho interessante o que diz, de ele aparecer sem livros, apesar de ser escritor. Bom Dia de Portugal!
Margarida,
Gostei desta galeria de Presidentes pintados por Columbano. Voltarei com calma para reler.
Bom fim de semana.
Beijinhos. :))
Obrigada Ana! Bom fim-de-semana!
Enviar um comentário