segunda-feira, 15 de junho de 2020

Em torno de Alexandre Herculano...

Rafael Bordalo Pinheiro, «Alexandre Herculano», in O Calcanhar d'Achilles, Album de Caricaturas, Lisboa, Imprensa de Joaquim Germano de Sousa Neves, 1870.
-
Quando José Joaquim Gomes de Brito conheceu Alexandre Herculano, este ter-lhe-á dito:

«A filosofia (...) já deu que fazer à Alemanha, ia-lhe custando cara. Felizmente a Alemanha veio a melhor conselho, e voltou-se para a História. O senhor parece-me muito novo para pensar em filosofias. Quer estudar? Estude a vida do seu país, deixe-se de abstrações, acabarão cansá-lo, sem chegar a conclusão alguma. Antes se a aplique a aprender no passado e a ajuizar o presente. Aí tem com que satisfazer-se, chama-se a isto a Filosofia da História» (Neves, 1943, 10-11).

Gomes de Brito, mais tarde, sendo amigo de Rafael Bordalo Pinheiro, apresentou o caricaturista a Herculano. Rafael, antes da publicação d' O Calcanhar de Achilles, quis que as caricaturas tivessem «o patrocinio dos seus chistosos». Por isso, Brito levou Rafael à Bertrand, onde encontrou Herculano:

«Após palavras breves, surdiu da pasta dos desenhos do Rafael a audaciosa caricatura, e não me esquecerá nunca a vermelhidão que retingiu, por um instante, o rosto de Herculano, ao lançar-lhe os olhos... Mas tambêm o que êle riu com a lembrança do endiabrado rapaz! A graça graça que êle lhe achou aos desenhos! (...). Prometeu logo a pedida autorização, declarando-a, porêm escusada (...)» (Brito, 1920, 7-8).

A gravura, em causa, «(…) Representa o consagrado historiador vestindo o caracteristico traje de azeiteiro ambulante, levando as latas às costas e o funil com a competente panela dos pingos numa das mãos, enquanto com a outra faz um gesto irreverente à Academia, no portal da qual se mostram os Académicos espavoridos com a fuga do glorioso historiador. Êste encaminha o seus passos para o estabelecimento de Jerónimo Martins que o espera à porta sobre um queijo “Gruyere”. Vai vender ali o produto das oliveiras de Val de Lobos. 
Entre as figuras que estão à porta da Academia a que servem de degraus os dois volumes do Dicionário, distinguem-se o Prof. Vale, Rebêlo da Silva, Antonio Feliciano de Castilho, Mendes Leal, Latino Coelho, Dr. Thomaz de Carvalho, Luis Augusto Palmeirim Conde de Ávila, Augusto Soromenho, Ramalho Ortigão e Silva Túlio.
Neste estudo figura Gomes de Brito que se vê entre Augusto Soromenho e Rebêlo da Silva mas não foi mantido no desenho definitivo» (Neves, 1943, 23-24).
-
Bibliografia: 
BRITO, J. J. Gomes de, NEVES, Álvaro, Rafael Bordalo Pinheiro, Inventário da Obra Artística do Desenhador, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1920.
NEVES, Álvaro, Catálogo da exposição comemorativa do centenário do nascimento de José Joaquim Gomes de Brito, Câmara Municipal de Lisboa. Lisboa, Museu de Rafael Bordalo Pinheiro, 1943.

3 comentários:

APS disse...

Gostei muito do seu poste.
Penso que vale muito a pena ler a correspondência de Herculano. Até para conhecer um Tempo e também o retrato de um Homem íntegro - que ele era.
Tenho uma carta transcrita no Arpose (22/2/2010), dele a D. Fernando II, pedindo escusa do lugar de bibliotecário da Ajuda, que é um exemplo de claridade, brio e honradez.
Uma boa semana.

MR disse...

Gosto de textos de caráter memorialista. De Gomes de Brito consulto muitas vezes as Ruas de Lisboa, uma obra interessantíssima para a história de Lisboa.
Boa semana!

Margarida Elias disse...

APS - Gosto muito de Alexandre Herculano e de ler cartas, por isso acho que ler a correspondência de Herculano deve valer muito a pena. Bom dia!

MR - Mais uma boa sugestão de leitura. Ainda não tive oportunidade de ler esse livro - terei de o fazer. Bom dia!