sexta-feira, 30 de maio de 2008

Notas sobre a Conjuntura da Década de 80


Ilustração de Rafael Bordalo Pinheiro (O António Maria, 1880).
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Múltiplos acontecimentos marcaram os anos de 1880, transformando a realidade vivida pelos portugueses a vários níveis. O tempo da Regeneração terminava, sendo a cena política cada vez mais dominada pelo rotativismo entre o Partido Regenerador e Progressista. Outros ideais entravam em cena, dando o republicanismo provas de força durante os festejos do Tricentenário de Camões (1880). No ano seguinte (1881), Oliveira Martins publicou o Portugal Contemporâneo, livro que tratava da história da Monarquia Constitucional. Na sua análise da situação portuguesa mostrava-se pessimista, apresentando um quadro de desorganização e crise de valores: «Eu vejo – não vêem todos? – uma decadência no carácter e uma desnacionalização na cultura». A situação de crise política agravava-se cada vez mais. Portugal procurava afirmar a sua posição nas antigas colónias, nomeadamente em África, o que esteve na origem da expedição de Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens e, consequentemente, na publicação do «Mapa Cor-de-Rosa» (1886), que pretendia demarcar o domínio português nesse continente. Esta afirmação de poderio nacional seria contestada pela Inglaterra, o que culminou no Ultimato Britânico de 1890. No final da década de oitenta, morreu o rei D. Luís, sucedendo-lhe o seu filho D. Carlos, o qual reinaria até 1908, ano em que foi assassinado num golpe anti-monárquico.
Os anos oitenta corresponderam a alterações na vida cultural portuguesa, não só pelo que de novo era criado, mas também por tudo o que deixava de existir. Muitos dos homens do Romantismo e da Regeneração morreram por volta desta década. Porém, abriam-se também as portas de uma nova época. Em 1879 regressaram para Portugal os primeiros bolseiros de Paris, os pintores Silva Porto e Marques de Oliveira, e o arquitecto José Luís Monteiro. Um ano depois, em 1880, iniciava-se em Lisboa a abertura da Avenida da Liberdade, que substituía o romântico Passeio Público, dando à cidade um aspecto mais moderno, descrito efusivamente por Gervásio Lobato em 1884: «Decididamente Lisboa está-se tornando uma grande cidade a valer. / Concorreu muito para isso, faça-se-lhe justiça plena, o sr. Rosa Araujo, com o assassinato do passeio publico do Rocio, essa vergonhosa gaiola que dava á nossa formosa cidade o aspecto acabado e reles d'uma pequena terra de provincia. A avenida da Liberdade apesar de estar ainda muito longe da sua conclusão dá já a Lisboa o aspecto amplo e grande d'uma cidade de primeira ordem». Porém, esta visão optimista era contrariada anos mais tarde por Eça de Queiroz que, mais cosmopolita, veria a nova avenida lisboeta como um «curto rompante de luxo barato – que partira para transformar a velha cidade, e estacara longo, com fôlego curto, entre montões de cascalho».
O panorama artístico português mostrava agora mais sinais de energia, pois, como afirmou Sandra Leandro, comparando «com a década anterior é inegável a existência de um maior dinamismo no domínio das artes». Novas revistas e jornais foram criados, adoptando cada vez mais a imagem, primeiro com a gravura e depois a fotografia, para ilustrar as suas páginas. Em 1878 foi fundado o magazine Ocidente, que durou até 1915. Em 1879, Rafael Bordalo Pinheiro, chegou do Brasil e logo criou um novo jornal de caricaturas, O António Maria, que apesar de uma interrupção de seis anos (1885-1891), durou até 1898. Em ambos os periódicos seria feita a crónica da Lisboa do final do século, no primeiro de forma mais isenta e no segundo de um modo mais vincadamente satírico.
Neste quadro de mudanças insere-se a esperada reforma da Academia de Belas-Artes de Lisboa. Delfim Guedes foi encarregado em 1878 de apresentar um projecto de reforma para a instituição. Sendo os professores consultados acerca deste assunto, Miguel Ângelo Lupi compôs um projecto, que publicou em 1879. Antes de falecer, o pintor romântico Manuel Maria Bordalo Pinheiro também assinou uma carta dirigida à Academia de Belas-Artes, tendo em vista a reforma do sistema de ensino, afirmando que os artistas deviam observar e compreender a Natureza. A reforma foi decretada em 1881, sendo a Academia separada da Escola de Belas-Artes. Contudo, tirando esse facto, e na opinião de José-Augusto França, esta reforma foi «mínima e sem imaginação». Só a chegada de novos professores, nomeadamente Silva Porto, permitiu alguma alteração na maneira como era administrado o ensino artístico em Lisboa.
O novo dinamismo também foi sentido no campo da museologia, pois em 1881 a reforma da Academia de Belas-Artes estipulava a existência de um museu para a instrução dos artistas e do público. Tendo sido realizada em 1882, em Lisboa, uma exposição de Arte Ornamental no Palácio Alvor-Pombal às Janelas Verdes, deliberou-se a mudança da Galeria de Belas-Artes para esse edifício, tendo-se finalmente convertido em Museu no ano seguinte. O novo museu estava sobretudo vocacionado para a arte antiga, contendo igualmente as obras de artistas da Academia de Belas-Artes de Lisboa. Este acontecimento foi um importante marco na história da museologia em Portugal, embora inserindo-se tardiamente numa tendência que já era vivida por toda a Europa, pois o Louvre fora inaugurado em Paris cerca de cem anos antes (1793) e o Prado fora fundado em Madrid em 1819.
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Texto de Margarida Elias.

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