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Implantada a República, em 29 de Maio de 1911 era publicado no Diário do Governo um Decreto reorganizando os serviços nacionais de Belas-Artes, dos Museus e da Arqueologia, assinado por António José de Almeida, ministro do Interior. No relatório que servia de prefácio ao decreto de reforma, afirmava-se a importância das qualidades instrutivas da arte, às quais se dedicava a nova legislação. O país passava a ficar dividido em três circunscrições, em cujas sedes - Lisboa, Coimbra e Porto - estava um Conselho de Arte e Arqueologia, ao qual competia organizar exposições onde se fizessem compras para os museus; proceder à aquisição de obras de arte e escolher entre as doadas ou depositadas aquelas que deviam ser expostas. Nos Museus Nacionais de Arte Antiga e Contemporânea eram distribuídas e expostas as obras de arte nacionais ou estrangeiras que fossem adquiridas pelos Conselhos; as obras de arte que constituíam título de candidatura dos vogais efectivos e correspondentes; os trabalhos executados pelos pensionistas, quando considerados dignos; as obras de arte consideradas propriedade do Estado e as obras depositadas a cargo do Conselho. Ficava explícito que o rendimento do legado Valmor para a aquisição de obras de arte era exclusivamente destinado a estes museus.
A 17 de Junho de 1911 Carlos Reis, professor da Escola de Belas-Artes e ex-director do Museu Nacional, era nomeado para o cargo de director conservador do Museu de Arte Contemporânea. Este Museu era criado a 19 de Julho, ficando estabelecido provisoriamente (e em definitivo) no Convento de São Francisco, no Chiado. A 28 de Junho de 1914 tinha uma inauguração provisória. Como era noticiado em O Mundo a «comissão executiva do Museu de Arte Contemporânea resolveu só inaugurar por agora a secção de pintura, em virtude de não estarem concluídas as obras da galeria de escultura». Também informava que a «inauguração verdadeiramente oficial do museu far-se-ha depois da conclusão de todas as obras (...)».
O seu aspecto seria ainda o de um museu do século XIX, com uma arquitectura clássica e telas sobrepostas em filas, aproveitando o espaço tanto quanto possível e misturando escolas e épocas. Um jornalista do Século diria que «parece-nos que as paredes estão cheias demais, com prejuizo para as melhores obras ali expostas, que ficam abafadas por outras, que, á falta de espaço, bem poderiam ser retiradas e fazerem companhia, no arquivo, a todas as outras que lá estão (...)». Como se pode conferir no inventário, a maior parte das obras entradas durante a direcção de Carlos Reis pertenciam ao Romantismo e também ao primeiro Naturalismo, existindo algumas peças do Modernismo (três pinturas). Entre os estrangeiros não se contavam nomes muito destacados, sobretudo artistas ligados aos meios académicos, na sua maioria franceses e espanhóis. Eram artistas como J. P. Laurens, Cormon, Albert Besnard e Bonnat, por exemplo. Grande parte da colecção era de arte portuguesa, integrando algumas obras de elevado valor histórico e artístico. A maioria dos artistas representados eram ou tinham sido professores da Escola de Belas-Artes e membros da Academia. Entre as peças que foram expostas, destacavam-se A Passagem do Gado de Cristino da Silva, Margens do Oise de Silva Porto, A Luva Cinzenta de Columbano e Contemplação de António Carneiro. Em 1914 foi adquirido o quadro Interior de Eduardo Viana, que foi uma das primeiras entradas de pintores do Modernismo.
O catálogo preparado em 1913 não chegou a ser divulgado. Era um resumo do inventário e mantinha os seus números. O volume era bastante pequeno (quatro páginas), sem introdução ou imagens, apenas distribuindo as peças por salas e tipos. Existia uma sala A (com maior número de obras) com desenhos e aguarelas, pinturas a óleo e esculturas. Na sala B estavam os artistas estrangeiros e na sala C e D pinturas a óleo de artistas portugueses. Em todas as salas predominava a pintura de paisagem, seguida de temas contemporâneos e pintura de género, bem como da pintura de História. Eram muito poucos os retratos e as naturezas-mortas. Carlos Reis parecia ter dado preferência aos domínios que ele próprio privilegiava enquanto pintor. No entanto era a época Romântica a mais representada (com destaque para Tomás da Anunciação, Cristino da Silva e Miguel Angelo Lúpi), sendo ainda dado relevo à obra de Silva Porto.
Paradoxalmente, no momento em que o trabalho de organização já estava quase terminado, Carlos Reis foi destituído do seu cargo. Precisamente no dia da inauguração do Museu, o ministro das finanças Afonso Costa fazia propostas de poupança entre as quais estava a extinção do vencimento para o cargo de director do Museu. Em finais de Julho de 1914 Carlos Reis recebeu o apoio do jornal O Dia que diria que fora por vingança dos «democráticos» que o congresso cortara o subsídio orçamental de dotação do Museu de Arte Contemporânea ao seu director, pela razão de «Carlos Reis, embora estranho à política» ter «a pecha de haver sido amigo dedicado e fiel do sr. D. Carlos (...)». A 14 de Agosto o Conselho de Arte e Arqueologia propunha Columbano Bordalo Pinheiro para o mesmo cargo e a nomeação ministerial de 17 de Dezembro confirmou-o. Carlos Reis relataria a história com alguma ironia e amargura: «Como Director do Museu d'Arte Contemporanea taes provas dei do meu desastrado criterio e da minha ignorancia em materia d'arte, que ao cabo de três anos, o Congresso votava a extinção do logar de Director, que, como era de presumir, se restabeleceu, aliás com toda a razão, na pessôa do meu imediato sucessor».
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Texto de Margarida Elias.
Cf. António Manuel Gonçalves, Carlos Reis, Director de Nuseus Nacionais, Torres Novas, 1963.
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