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A crítica de arte surgiu na segunda metade do século XVIII, nomeadamente em França, com Diderot. Foi no nesse século que se pretendeu dar a todo o conhecimento um fundamento crítico e já não dogmático, procurando fundamentar-se cientificamente o juízo crítico sobre o valor das obras de arte. Foi também nessa altura que surgiu a tradição da crítica se ocupar principalmente da arte contemporânea (Argan). Quanto à questão de porque é que a crítica de arte se desenvolve na época contemporânea, julgo encontrar três motivações principais: 1) a subjectivação na compreensão do mundo; 2) o aparecimento de museus e exposições; 3) a implantação de regimes políticos democráticos.
Para os Antigos existia uma Ordem Universal, regida por três valores que se interligavam: o Bom, o Belo e o Verdadeiro. Estes valores eram de origem divina, influenciando tanto o macrocosmos como o microcosmos, sendo este um espelho daquele. Com a época moderna surgiu a consciência de um ponto de vista humano sobre o mundo, que se reflectiu pela primeira vez na vontade de dominar a realidade, ordenando-a segundo as regras da perspectiva. Um marco importante na história da subjectivação do mundo é a frase de Descartes: «Penso, logo existo», que é uma afirmação do orgulho do homem. Com Descartes surge a ideia que partindo de si o sujeito pode estabelecer valores válidos também para os outros. Outro passo importante foi a revolução coperniciana de Kant. Com ele é o sujeito que apreende o fenómeno, com as suas faculdades de sensibilidade e inteligência, passando a ter um ponto de vista sobre a realidade ligado à subjectividade, em simultâneo objectivo e universal na medida em que todos os homens têm as mesmas capacidades de captação e compreensão dos fenómenos. Assim possibilitava uma intersubjectividade que permitia a existência de uma crítica.
A nova importância dada ao sujeito, primeiro através da razão, depois da sensibilidade, irá dar origem a um novo entendimento da obra de arte. Com o tempo esta deixa de ser admirada por estar de acordo com regras preestabelecidas, mas sim pela sua capacidade de estabelecer uma comunicação sensível entre o criador e o receptor. A crítica de arte assenta na relação entre um sujeito e uma obra: o sujeito tem consciência de si, e tem a noção que interage com a obra. No século XX, dominado pelo individualismo e pela fragmentação do Eu, prevalece um subjectivismo total e o relativismo absoluto. Para Nietzsche não há factos, mas sim interpretações. O valor estético passa a ser algo que é atribuído pelo sujeito que observa, o que culminará no «olho estético» de Marcel Duchamp. O criador da obra passa a ter toda a importância e é a atitude estética que passa a contar.
O surgimento da crítica de arte foi também fruto de do estabelecimento de Academias de Belas-Artes, com exposições anuais (Salon) e catálogos; do surgimento dos primeiros museus; do aparecimento (sobretudo a partir da segunda metade do século XIX) de exposições particulares, de galerias de arte e de um mercado de arte. Ao contrário de épocas anteriores, em que as obras estavam guardadas em colecções privadas às quais só alguns poderiam ter acesso, a partir do século XVIII as obras passaram a ser apresentadas a um público mais variado, que passava a poder ver um grande conjunto de obras, confrontá-las e relacioná-las, alargando assim a sua cultura visual e estética.
Por outro lado, no século XVIII o Salon tornou-se num acontecimento considerável e objecto de uma crítica especializada. Os primeiros Salons tinham suscitado curiosidade e comentários, sendo as primeiras críticas impressas datadas de 1737. Diderot foi o principal redactor entre 1759 e 1781, publicando pela primeira vez em jornais o efeito que a exposição produziu nele. Como disse Venturi, «(...) o século XVIII trouxe, com as exposições de arte, especialmente em França, a oportunidade das crónicas escritas. Isto é: a crítica de arte encontrou uma sua forma natural. Já não se tratava de inserir juízos entre as notícias sobre os artistas e as normas da arte: tratava-se de escrever unicamente para dizer a própria opinião sobre um grupo de obras e artistas. E como esses artistas eram contemporâneos do crítico (...) impunha-se, em resumo, o desejo de encontrar uma relação entre a síntese da obra de arte e todos os elementos que a constituem. A crítica de arte, embora executada de modo apressado e superficial, assumia o carácter de crítica da actualidade. E isso não teria sido possível sem a filosofia do iluminismo e o seu novo interesse em encontrar a razão dos factos pela análise desses mesmos factos».
Resta ainda notar que a resposta à questão sobre a relação entre a crítica de arte e a época contemporânea, pode ainda ser ligada a situações políticas: em vez de um rei absoluto que impõe o seu gosto à corte, e aos artistas, já que é o principal cliente, a par da Igreja, no século XVIII, e sobretudo a partir do ano de 1789, que marcou historicamente o início da época contemporânea, há um crescimento progressivo da influência da burguesia, mesmo ao nível do gosto, dominando cada vez mais as encomendas. A monarquia constitucional e a progressiva afirmação da democracia, a repartição do poder por várias pessoas, conduzem por sua vez a uma proliferação dos gostos. Dessa forma a crítica de arte torna-se uma necessidade cultural, ao nível da informação crítica feita por uma pessoa especializada.
Para os Antigos existia uma Ordem Universal, regida por três valores que se interligavam: o Bom, o Belo e o Verdadeiro. Estes valores eram de origem divina, influenciando tanto o macrocosmos como o microcosmos, sendo este um espelho daquele. Com a época moderna surgiu a consciência de um ponto de vista humano sobre o mundo, que se reflectiu pela primeira vez na vontade de dominar a realidade, ordenando-a segundo as regras da perspectiva. Um marco importante na história da subjectivação do mundo é a frase de Descartes: «Penso, logo existo», que é uma afirmação do orgulho do homem. Com Descartes surge a ideia que partindo de si o sujeito pode estabelecer valores válidos também para os outros. Outro passo importante foi a revolução coperniciana de Kant. Com ele é o sujeito que apreende o fenómeno, com as suas faculdades de sensibilidade e inteligência, passando a ter um ponto de vista sobre a realidade ligado à subjectividade, em simultâneo objectivo e universal na medida em que todos os homens têm as mesmas capacidades de captação e compreensão dos fenómenos. Assim possibilitava uma intersubjectividade que permitia a existência de uma crítica.
A nova importância dada ao sujeito, primeiro através da razão, depois da sensibilidade, irá dar origem a um novo entendimento da obra de arte. Com o tempo esta deixa de ser admirada por estar de acordo com regras preestabelecidas, mas sim pela sua capacidade de estabelecer uma comunicação sensível entre o criador e o receptor. A crítica de arte assenta na relação entre um sujeito e uma obra: o sujeito tem consciência de si, e tem a noção que interage com a obra. No século XX, dominado pelo individualismo e pela fragmentação do Eu, prevalece um subjectivismo total e o relativismo absoluto. Para Nietzsche não há factos, mas sim interpretações. O valor estético passa a ser algo que é atribuído pelo sujeito que observa, o que culminará no «olho estético» de Marcel Duchamp. O criador da obra passa a ter toda a importância e é a atitude estética que passa a contar.
O surgimento da crítica de arte foi também fruto de do estabelecimento de Academias de Belas-Artes, com exposições anuais (Salon) e catálogos; do surgimento dos primeiros museus; do aparecimento (sobretudo a partir da segunda metade do século XIX) de exposições particulares, de galerias de arte e de um mercado de arte. Ao contrário de épocas anteriores, em que as obras estavam guardadas em colecções privadas às quais só alguns poderiam ter acesso, a partir do século XVIII as obras passaram a ser apresentadas a um público mais variado, que passava a poder ver um grande conjunto de obras, confrontá-las e relacioná-las, alargando assim a sua cultura visual e estética.
Por outro lado, no século XVIII o Salon tornou-se num acontecimento considerável e objecto de uma crítica especializada. Os primeiros Salons tinham suscitado curiosidade e comentários, sendo as primeiras críticas impressas datadas de 1737. Diderot foi o principal redactor entre 1759 e 1781, publicando pela primeira vez em jornais o efeito que a exposição produziu nele. Como disse Venturi, «(...) o século XVIII trouxe, com as exposições de arte, especialmente em França, a oportunidade das crónicas escritas. Isto é: a crítica de arte encontrou uma sua forma natural. Já não se tratava de inserir juízos entre as notícias sobre os artistas e as normas da arte: tratava-se de escrever unicamente para dizer a própria opinião sobre um grupo de obras e artistas. E como esses artistas eram contemporâneos do crítico (...) impunha-se, em resumo, o desejo de encontrar uma relação entre a síntese da obra de arte e todos os elementos que a constituem. A crítica de arte, embora executada de modo apressado e superficial, assumia o carácter de crítica da actualidade. E isso não teria sido possível sem a filosofia do iluminismo e o seu novo interesse em encontrar a razão dos factos pela análise desses mesmos factos».
Resta ainda notar que a resposta à questão sobre a relação entre a crítica de arte e a época contemporânea, pode ainda ser ligada a situações políticas: em vez de um rei absoluto que impõe o seu gosto à corte, e aos artistas, já que é o principal cliente, a par da Igreja, no século XVIII, e sobretudo a partir do ano de 1789, que marcou historicamente o início da época contemporânea, há um crescimento progressivo da influência da burguesia, mesmo ao nível do gosto, dominando cada vez mais as encomendas. A monarquia constitucional e a progressiva afirmação da democracia, a repartição do poder por várias pessoas, conduzem por sua vez a uma proliferação dos gostos. Dessa forma a crítica de arte torna-se uma necessidade cultural, ao nível da informação crítica feita por uma pessoa especializada.
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Texto de Margarida Elias.
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