Ilustração de Duarte de Almeida, O Gosto dos Gostos (In Histórias Maravilhosas da Tradição Popular Portuguesa, f. 12, p. 367).
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- Muito me agrada esse dizer, e vos agradeço. Ficareis pois com os verdes prados e as altas montanhas da bela província do Norte. E vós, minha filha, a que comparais o vosso afecto? - perguntou à mais nova.
- Pai e Senhor meu, amo-vos como ao gosto dos gostos das pedrinhas de sal.
Quando a princesa acabou de falar, levantou o Rei os braços aos céu clamando que a filha mais nova o não amava. Mandou-a sair da sala (...). Depois, (...) expulsou a filha de casa e mandou-lhe dizer que nunca mais a queria ver.
A pobre princesa saiu do palácio chorando o seu desgosto e abandono, e (...) foi ter com sua madrinha, a fada melhor de quantas existiam nesses ditosos tempos em que as fadas acudiam aos homens em suas aflições (...).
(...)
(A fada) (...) prometeu-lhe que a não abandonaria nunca e lhe aconselhou o que devia fazer.
Partiu dali a menina, mais consolada, e para encobrir seus vestidos ricos de infanta pôs às costas uma feia pele de burro (...).
(...)
Chegou por fim ao palácio de campo do Rei de França, e apresentou-se à porta perguntando se queriam serviçal.
(...)
Como parecia feia (...) nenhum serviço lhe deram senão o de andar pelo campo a guardar os patos. (...)
A Princesa tudo levava com paciência, e, quando se via só (...) punha-se a fiar para distrair suas penas, pensando no formoso Rei, seu senhor, que porventura a poderia esposar se ela fosse ainda infanta real em casa da sua família.
...)
Às vezes impancientava-se (...) e quando via os patos correrem cada um para seu lado, batia-lhes com o queijado e dizia:
- Pata aqui, pata ali, filha de Rei a guardar patos é coisa que eu nunca vi!
(...)
Quando o Rei tal soube encheu-se de curiosidade e foi para o campo espionar a rapariga. (...)
Ficou intrigadíssimo (...). Soube que ela dormia num canto escuro (...) e foi espreitá-la pelo buraco da fechadura.
A Princesa entrou para o quarto, fechou a porta (...). Depois lavou-se, penteou-se, vestiu um dos seus bonitos fatos (...), mostrando ser a mais formosa dama que até aí ele tinha contemplado.
Por sua vontade teria entrado logo, mas teve medo de a assustar e retirou-se com o firme propósito de mandar ao outro dia chamar a Pele de burro. (...)
Quando tal disse toda a gente se riu, e tanto o magoaram esses risos que se envergonhou, quase convencido que fora um sonho que tivera.
Entrou depois numa tristeza tão grande, que nunca mais pôde dormir nem comer com descanso (...).
A mãe chorava muito e não se fartava de lhe perguntar o que lhe apetecia comer.
- Desejo um bolo amassado pela Pele de burro - disse por fim de muito instado.
(...)
A menina arranjou a melhor farinha (...). Quando já estava pronto e só lhe faltava entrar no forno, tirou do dedo o mais formoso dos seus anéis e meteu-o dentro.
Trouxeram o bolo ao Rei e ele comeu-o com tal sofreguidão que ia engolindo o anel.
Quando o encontrou deu um grito de alegria, arrecadou-o e disse à mãe que casava com a mulher a quem servisse aquela pequenina jóia.
Foram chamadas todas as princesas e damas da corte, mas nenhuma conseguia enfiá-lo no dedo. (...)
Veio a Princesa com o seu feio trajo mais debaixo dele surgiu a mais linda mão que até aí se tinha visto. O anel entrou com toda a facilidade, e ela, no meio da admiração de todos, sacudiu pele que a cobria e mostrou-se com o brilhante vestido da cor do sol (...).
O Rei melhorou imediatamente e marcaram logo o dia para o casamento.
A Princesa contou a sua vida ao Rei e perguntou logo notícias do pai, ficando muito triste quando soube que as irmãs o tratavam tão mal que ele errava de corte em corte, sem reino e sem família.
O Rei mandou-o convidar para assistir ao seu casamento, mas não lhe disse quem era a noiva, nem ela se deu a conhecer quando o pai chegou.
No dia do casamento houve um grande jantar e a Princesa ordenou que a comida do pai fosse toda feita à parte e sem nenhum sal.
O velho Rei via que todos comiam com gosto (...), mas não podia levar tal sensaboria de comer.
Até que no fim lhe perguntou a filha:
- Senhor Rei, porque não comeis?
- Porque não tenho vontade, real Senhora.
- Não é por isso, mas sim porque falta na vossa comida o gosto dos gostos das pedrinhas de sal. Já sabeis que sem ele se não pode comer com gosto.
O velho Rei tudo compreendeu, e, abraçando a filha, confessou o erro em que tinha caído (...).
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História recolhida e contada por D. Ana de Castro Osório.
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Havia num grande reino de outrora um velho Rei que tinha três filhas. Chegado a idade tão avançada que lhe era penoso tratar dos negócios públicos, mandou reunir a corte com todos os representantes do povo e deu-lhes parte que ia dividir o reino pelas suas três filhas, se elas mostrassem gostar do pai como lhe cumpria.
Foram pois chamadas as três princesas, e perguntou o Rei à mais velha:
- Filha, como gostais de mim?
- Senhor, eu vos quero como ao ver dos meus olhos.
- Muito amor me tens, filha, e eu te agradeço dando-te a parte oriental do meu reino. E vós, filha minha, como gostais de mim? - perguntou à segunda.
- Senhor, como de mim mesma.- Muito me agrada esse dizer, e vos agradeço. Ficareis pois com os verdes prados e as altas montanhas da bela província do Norte. E vós, minha filha, a que comparais o vosso afecto? - perguntou à mais nova.
- Pai e Senhor meu, amo-vos como ao gosto dos gostos das pedrinhas de sal.
Quando a princesa acabou de falar, levantou o Rei os braços aos céu clamando que a filha mais nova o não amava. Mandou-a sair da sala (...). Depois, (...) expulsou a filha de casa e mandou-lhe dizer que nunca mais a queria ver.
A pobre princesa saiu do palácio chorando o seu desgosto e abandono, e (...) foi ter com sua madrinha, a fada melhor de quantas existiam nesses ditosos tempos em que as fadas acudiam aos homens em suas aflições (...).
(...)
(A fada) (...) prometeu-lhe que a não abandonaria nunca e lhe aconselhou o que devia fazer.
Partiu dali a menina, mais consolada, e para encobrir seus vestidos ricos de infanta pôs às costas uma feia pele de burro (...).
(...)
Chegou por fim ao palácio de campo do Rei de França, e apresentou-se à porta perguntando se queriam serviçal.
(...)
Como parecia feia (...) nenhum serviço lhe deram senão o de andar pelo campo a guardar os patos. (...)
A Princesa tudo levava com paciência, e, quando se via só (...) punha-se a fiar para distrair suas penas, pensando no formoso Rei, seu senhor, que porventura a poderia esposar se ela fosse ainda infanta real em casa da sua família.
...)
Às vezes impancientava-se (...) e quando via os patos correrem cada um para seu lado, batia-lhes com o queijado e dizia:
- Pata aqui, pata ali, filha de Rei a guardar patos é coisa que eu nunca vi!
(...)
Quando o Rei tal soube encheu-se de curiosidade e foi para o campo espionar a rapariga. (...)
Ficou intrigadíssimo (...). Soube que ela dormia num canto escuro (...) e foi espreitá-la pelo buraco da fechadura.
A Princesa entrou para o quarto, fechou a porta (...). Depois lavou-se, penteou-se, vestiu um dos seus bonitos fatos (...), mostrando ser a mais formosa dama que até aí ele tinha contemplado.
Por sua vontade teria entrado logo, mas teve medo de a assustar e retirou-se com o firme propósito de mandar ao outro dia chamar a Pele de burro. (...)
Quando tal disse toda a gente se riu, e tanto o magoaram esses risos que se envergonhou, quase convencido que fora um sonho que tivera.
Entrou depois numa tristeza tão grande, que nunca mais pôde dormir nem comer com descanso (...).
A mãe chorava muito e não se fartava de lhe perguntar o que lhe apetecia comer.
- Desejo um bolo amassado pela Pele de burro - disse por fim de muito instado.
(...)
A menina arranjou a melhor farinha (...). Quando já estava pronto e só lhe faltava entrar no forno, tirou do dedo o mais formoso dos seus anéis e meteu-o dentro.
Trouxeram o bolo ao Rei e ele comeu-o com tal sofreguidão que ia engolindo o anel.
Quando o encontrou deu um grito de alegria, arrecadou-o e disse à mãe que casava com a mulher a quem servisse aquela pequenina jóia.
Foram chamadas todas as princesas e damas da corte, mas nenhuma conseguia enfiá-lo no dedo. (...)
Veio a Princesa com o seu feio trajo mais debaixo dele surgiu a mais linda mão que até aí se tinha visto. O anel entrou com toda a facilidade, e ela, no meio da admiração de todos, sacudiu pele que a cobria e mostrou-se com o brilhante vestido da cor do sol (...).
O Rei melhorou imediatamente e marcaram logo o dia para o casamento.
A Princesa contou a sua vida ao Rei e perguntou logo notícias do pai, ficando muito triste quando soube que as irmãs o tratavam tão mal que ele errava de corte em corte, sem reino e sem família.
O Rei mandou-o convidar para assistir ao seu casamento, mas não lhe disse quem era a noiva, nem ela se deu a conhecer quando o pai chegou.
No dia do casamento houve um grande jantar e a Princesa ordenou que a comida do pai fosse toda feita à parte e sem nenhum sal.
O velho Rei via que todos comiam com gosto (...), mas não podia levar tal sensaboria de comer.
Até que no fim lhe perguntou a filha:
- Senhor Rei, porque não comeis?
- Porque não tenho vontade, real Senhora.
- Não é por isso, mas sim porque falta na vossa comida o gosto dos gostos das pedrinhas de sal. Já sabeis que sem ele se não pode comer com gosto.
O velho Rei tudo compreendeu, e, abraçando a filha, confessou o erro em que tinha caído (...).
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História recolhida e contada por D. Ana de Castro Osório.
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