Gravura de Carlos Traver, Quo Vadis, Estampa 78 (publicada em 1900).
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«A estrada estava deserta. Os camponezes que levavam os seus legumes para a cidade não tinham ainda atrellado as suas carretas. Sobre as lages, que calçavam a via até ás montanhas, ressoava fracamente a madeira das sandalias dos dois viajantes.---
Em seguida o sol emergiu de sob o dorso das montanhas, e um espectaculo singular impressionou o olhar do Apostolo. Pareceu-lhe que a esphera loura, em logar de se elevar nos céos, deslisára do alto das montanhas e seguia horisontalmente a estrada.
Pedro parou e disse:
- Vês aquella claridade que avança para nós?
- Não vejo nada - disse Nazario.
Mas Pedro abrigou os olhos com a mão direita, e tornou, passado um momento:
-Vem ahi um homem, direito a nós, entre a irradiação do sol.
Comtudo, não chegava aos seus ouvidos nenhum som de passadas. Em torno, reinava o silencio absoluto. Nazario via apenas que ao longe estremeciam as arvores, como se as agitasse uma mão invisivel, e que pela planicie se espalhava, cada vez mais ampla, a claridade.
E olhou para o Apostolo com surpreza.
- Que tens, Rabbi? - exclamou elle com voz anciosa.
Das mãos de Pedro escorregára o bordão, e caira por terra. Tinha os olhos fitos em frente, a bôcca entreaberta e a sua physionomia reflectia o assombro, a alegria, o extase...
Prostrou-se no chão, com as mãos estendidas. E da sua bôcca sairam as palavras:
- Christo! Christo!
E o seu rosto collou-se á terra, como se beijasse pés invisiveis. Longo tempo o silencio reinou. Depois a voz do velho elevou-se, quebrada de soluços:
- Quo Vadis, Domine?...»
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Henrik Sienkiewicz, Quo Vadis, Versão de Mayer Garção, Biblioteca Popular, Lisboa, 1900.
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Este é um trecho de uma das obras literárias que mais marcou o meu imaginário, nomeadamente nesta edição ilustrada.
1 comentário:
Polaquíssimo, o Sienkiewicz.
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