sábado, 23 de março de 2013

A Anunciação

Anunciação (Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva, Lisboa).
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Anunciação, Retábulo da Igreja da Madre de Deus (1515, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa).
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Visitei há algum tempo o Museu da FRESS (o que recomendo vivamente) e fiquei fascinada com esta Anunciação, não só porque é o meu tema preferido na História da Arte, mas também porque me fez recordar a de Jorge Afonso da Igreja da Madre de Deus (MNAA). Contudo, depois, confrontando as duas obras, creio que a da FRESS não será de Jorge Afonso (a menos que seja uma parceria).
Segundo o site da FRESS, a Anunciação que eles expõem é da escola do Mestre da Lourinhã. Esta atribuição é por sua vez problemática, pois não está esclarecido quem seria este pintor e quais as obras que efectivamente são da sua oficina. Seja como for, julgo que existem pelo menos três detalhes que serão a chave da atribuição desta pintura: 1) a capa do anjo - que recorda a do do Retábulo da Sé do Funchal (também atribuído ao Mestre da Lourinhã), da Anunciação da Ermida do Paraíso (MNAA), ou ainda a das duas "Anunciações" presentes no Museu de Torres Vedras; 2) a Pomba do Espírito Santo, com aura circular dourada, presente na Anunciação da Ermida do Paraíso, na de Jorge Afonso e nos retábulos de Torres Vedras (mas ausente no do Funchal); 3) as feições e o penteado da Virgem que me lembram as da autoria de Gregório Lopes ou mesmo de Jorge Afonso. Acrescente-se ainda que há semelhanças curiosas entre o quadro da FRESS e o Van der Weyden (do post anterior), nomeadamente na figura da Virgem e do Anjo e, mais interessante, na cama vermelha.
O que julgo interessante na comparação entre estas duas pinturas - para além da atribuição - é o facto de serem um bom testemunho do estilo característico da pintura portuguesa do Renascimento: por um lado a influência italiana, que se nota na monumentalidade das figuras e na arquitectura de inspiração clássica das habitações (nas colunas, por exemplo, que simbolizam Cristo); por outro a influência flamenga, que se vislumbra no naturalismo do quotidiano e no gosto pelos pequenos detalhes decorativos e simbólicos. Creio que a pintura portuguesa fez uma síntese muito pessoal destas duas influências, resultando numa estilística original, simultaneamente serena e piedosa, que dignifica as figuras bíblicas sem lhes retirar naturalidade. 
Acrescento por fim que a atribuição das obras, é sempre um exercício difícil cuja importância até poderá ser questionada. Escreveu-se já que grande parte da produção artística, até à época moderna e contemporânea, ficou anónima. Contudo, este tipo de trabalho de atribuição tem sido desenvolvido e aprimorado, porque tem vantagens para a historiografia: permite precisar as coordenadas espaciais e temporais de uma obra; aproximar obras e fazer comparações; tirar conclusões e preparar as bases para novas teorias sobre um determinado assunto. Eu não estou de momento com a possibilidade de aprofundar este tema, mas adoraria assistir a uma exposição de "Anunciações da Pintura Portuguesa", sobretudo se fosse acompanhada por um bom catálogo.
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Bibl. consultada: André Chastel (Pref.), L'Atelier du Peintre, Larousse, 1998; Paulo Pereira (Dir.), História da Arte Portuguesa, Vol. II, Temas & Debates, 1995.

2 comentários:

ana disse...

Margarida,
Voltarei para ler com mais atenção. A sua escolha foi óptima.
Beijinho. :)

Margarida Elias disse...

Obrigada Ana! Bjs!